João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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João Pereira Coutinho
Descrição de chapéu China

Ser um mero papagaio da propaganda antissemita não é destino que se inveje

O que não é legítimo é só criticar Israel com uma obsessão particular, ignorando o mundo ao seu redor

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Terroristas do Hamas entram em Israel para massacrar e sequestrar mulheres, crianças e velhos. Há quem festeje. Há quem não festeje, mas "compreenda" a barbárie como um ato de resistência contra a política israelense.

Tranquilo, leitor sensato. Não vou comentar nada disso. Com a idade, deixei de gastar o meu latim com psicopatas ou antissemitas.

Só abro uma exceção para pessoas que suspeito mal informadas ou mal influenciadas.

Nesses casos, há uma pergunta que sempre faço a elas: "por que motivo você esbraceja tanto contra Israel, mas não adota a mesma postura com outros países que cometem atrocidades bem piores?"

Pense na China perseguindo os uigures. Pense em Mianmar fazendo o mesmo aos rohingyas. Ou na Índia brutalizando os muçulmanos da região de Caxemira.

Agora mesmo, há uma limpeza étnica a decorrer em Nagorno-Karabakh, com mais de 100 mil armênios fugindo às investidas do Azerbeijão.

Um antissemita não dá bola para nenhum desses conflitos. Não há lá judeus para acusar.

Dois fuzis apontando para direções opostas, uma em preto e outra em vermelho, ornadas por estrelas de Davi estilizadas e por arabescos de tabuleiro de gamão
Ilustração de Angelo Abu para coluna de João Pereira Coutinho de 10 de outubro de 2023 - Folhapress

Mas quem recusa o rótulo de antissemita, tem de responder por sua gritante incoerência: por que Israel e não os outros?

Sempre faço essa pergunta, repito. Mas vejo agora que não sou caso único: o jornalista Jake Wallis Simons, no seu recém-publicado "Israelophobia: The Newest Version of the Oldest Hatred and What To Do About It", repete a pergunta com insistência. Só para mostrar como a "israelofobia" que corre solta é, na verdade, uma forma de antissemitismo.

Ponto prévio: para Simons, criticar Israel é legítimo; não existe nenhum estado que esteja acima da crítica.

Assino em baixo. Os assentamentos na Cisjordânia, o irredentismo dos fanáticos que desejam um "Grande Israel" entre o Mediterrâneo e o rio Jordão ou as pulsões populistas e iliberais de Binyamin Netanyahu com sua grotesca reforma judicial, tudo isso merece repúdio.

O que não é legítimo é só criticar Israel com uma obsessão particular, ignorando o mundo ao redor. Isso é suspeito, camarada. Isso é antissemitismo, quer você esteja consciente ou não.

Mas Simons tem outras perguntas para você. Como essa: "Diga um país que, historicamente falando, tenha uma ficha moral mais limpa que Israel."

Uma vez mais, Simons não afirma que a ficha moral de Israel é limpa. Não é. Longe disso.

Ele apenas convida o leitor a responder por que motivo Israel é o único país que, na linguagem da "israelofobia", não tem "direito a existir" por seus erros ou crimes.

Se Israel não tem, quem tem? Os Estados Unidos? A China? O Irã? Os países árabes da região?

Aliás, falando nisso, você consegue citar um país do Oriente Médio que tenha uma ficha mais suja que Israel? Um só?

Ou, inversamente, você é capaz de citar algo de admirável em Israel?

Se você não sabe responder a essas perguntas, cuidado com as companhias, alerta Simons. Elas sabem responder sem hesitar, colocando Israel no grande altar da monstruosidade. Isso é antissemitismo e ser um mero papagaio da propaganda antissemita não é destino que se inveje.

O livro de Jake Wallis Simons saiu no momento certo. Só para despertar em cabeças saudáveis a hipótese da manipulação ou do desconhecimento. Também aqui se aplica o preceito judaico de que salvar uma vida é salvar a humanidade inteira.

Mas o livro é também útil para relembrar a natureza do Hamas, que as boas almas percepcionam com as velhas lentes do conflito israelense-palestino. Basta escutar ou ler o que elas dizem com a guerra em curso.

Nessa visão das coisas, o Hamas quer o mesmo de sempre: um estado palestino independente ao lado de Israel, o fim dos assentamentos, o retorno dos refugiados das guerras de 1948 e 1967 e a divisão de Jerusalém entre os dois povos.

Se esse fosse o programa das festas, até eu concordaria com eles. Fatalmente, é preciso ler a carta fundamental do grupo onde os objetivos são outros e, até hoje, imutáveis: a destruição do estado de Israel. Ponto final, parágrafo.

Para usar o mesmo teste de coerência, você até pode concordar com esse objetivo. Mas, concordando, você terá de defender a destruição de todos os estados onde reina ou reinou a injustiça, o abuso e até o crime. Começando pelo seu, claro.

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