Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca

O que se celebra nestes 200 anos de Brasil?

Apesar de tudo conspirar contra, o país avança aos trancos e barrancos

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Entre chavões imbecis e possíveis arruaças de alguns baderneiros golpistas mais exaltados, a comemoração oficial de nosso bicentenário será desvirtuada. Nem por isso, contudo, a data deveria passar batida. Especialmente quando a moral da Pátria Amada está tão em baixa.

Para a direita, o Brasil é um país de segunda categoria. Nossa colonização não foi feita por protestantes anglo-saxões, mas por portugueses católicos, o que nos legou uma cultura da preguiça, da corrupção e do personalismo. Em vez de ética do trabalho, preguiça e jeitinho. País de sexo, carnaval e cachaça (vistos como ruins). Por essas e outras jamais seremos Miami…

Avião Super Tucano
Esquadrilha da Fumaça faz apresentação em solenidade para as comemorações dos 200 anos da Independência do Brasil - Reprodução - 25.ago.22/TV Brasil

Para a esquerda, o Brasil é o país da injustiça e da exploração mais brutal já registrada na História humana. Um grande fazendão a serviço da elite mais podre do mundo em que indígenas e negros foram a e são escravizados. Supostos méritos de nossa convivência das raças? Tudo ilusão e discurso ideológico para mascarar um racismo pior que o dos EUA e da África do Sul.

Há algo de verdadeiro em ambas as visões. Mas elas não são toda a verdade. Perdem de vista o óbvio, aquilo que é tão parte de nós que nem nos damos conta de que está ali.

Comecemos com um fato impressionante: os falantes de espanhol na América do Sul se dividem em nove países. Os falantes do português estão todos em um só, de dimensões continentais: o Brasil. Essa união foi mantida com uma boa dose de violência ao longo do século 19 (mas nossos hermanos também tiveram muita violência; e se separaram). Seja como for, ela pegou: o Brasil une regiões muito diferentes entre si.

Esse país gigantesco e diverso é também o país da maior e mais intensa mistura de raças, que foi sim produto de violência sexual colonial, mas também de casamentos inter-raciais em quantidade, realidade cotidiana desde os tempos da Colônia até os dias de hoje. Essa obra avança agora sobre as últimas cidadelas da elite, ainda majoritariamente branca.

De uma História marcada por violências e injustiças surgiu um povo novo, que se reconhece não pela identidade racial, pela uniformidade religiosa ou ideológica, mas justamente pela valorização da mistura e da união. Capacidade de agregar diferentes em laços afetivos que faz falta no mundo inteiro.

Os sonhos da democracia racial, da tolerância a todos os credos, de uma relação com o prazer que não seja pautada pela culpa, de uma vida em que o trabalho não seja o único sentido da existência, em que as relações humanas estejam acima das adesões doutrinárias e da obediência aos grandes líderes.

Esses são os valores do Brasil, forjados num dia a dia longe das celebrações oficiais. Aqui as divisões políticas são (ou eram) menos definidoras das relações humanas do que no mundo hispânico ou nos EUA. Mesmo os líderes carismáticos não encontram tão facilmente pessoas dispostas a matar por eles; e muito menos a morrer.

Apesar dos muitos choques e de tudo conspirar contra, o Brasil avança aos trancos e barrancos. Quando não graças a Brasília, será apesar dela. E no dia que fizermos o mínimo para arrumar nossa casa, vamos perceber que o que o mundo mais precisa é aquilo que temos por trivial.

Conservar ou restaurar laços de afeto com quem divergimos é mais importante do que fomentar um ódio que não fará diferença alguma no grande plano nacional. Por isso espero que, apesar do que veremos nas ruas, todos possam se unir e dizer de coração: Feliz 200 anos, Brasil!

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