Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca
Descrição de chapéu América Latina

Bolsonaro pode transformar o Brasil numa Venezuela

O apoio do PT a ditaduras é condenável, mas nunca se traduziu em tentativas de replicá-las

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Muitos, com razão, ficam apreensivos ao ver Lula apoiar ditaduras de esquerda. Esse suposto apoio é às vezes aumentado pela propaganda de direita. Mesmo assim, há uma evidente condescendência quando o regime é de esquerda: Cuba, Venezuela, Nicarágua. A política de cooperação econômica nos anos PT tinha a mesma benevolência.

Por pior que seja a condescendência petista com ditaduras de esquerda, contudo, é preciso reconhecer: não houve, nos treze anos de governo PT, tentativa de replicar aqui o que foi feito em Cuba, Venezuela ou Nicarágua.

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O ex-presidente Lula e o presidente Jair Bolsonaro - Nelson Almeida e Evaristo Sá/AFP

Não que tudo fosse às mil maravilhas: a retórica que trata a imprensa como inimiga, o discurso polarizante, tudo isso existiu também nos anos PT. Mas o que foi feito naqueles anos parece brincadeira de criança perto da violência de agora, e quem o atesta são os (e especialmente "as") jornalistas que foram alvo tanto da militância petista quanto da bolsonarista.

Certas instituições saíram fortalecidas dos governos petistas, como Polícia Federal e Ministério Público. Os ministros do Supremo indicados por governos PT (em especial o governo Dilma) são os que mais se destacam no combate à corrupção, inclusive a corrupção do PT. O aceno a uma esquerda antidemocrática latino-americana é lamentável, mas não se traduziu em ditadura aqui.

De Bolsonaro não se pode dizer o mesmo. A investida contra as instituições da democracia é constante. E já tem total clareza do inimigo a vencer: o STF está na mira. O próprio Bolsonaro, o senador eleito General Mourão, o deputado reeleito Ricardo Barros, todos já passam a mesma mensagem: se o Supremo não se curvar ao bolsonarismo, vão aumentar o número de cadeiras, o que daria para Bolsonaro o poder de selecionar os novos ocupantes. Como ele próprio já afirmou, seu principal critério é a lealdade do novo ministro.

Sem um Supremo atuante, o campo está aberto para tudo aquilo que foi barrado ao longo dos últimos anos: decretos ainda mais agressivos para venda e circulação de armas de fogo —sem nenhuma fiscalização—, formação de milícias pró-governo, ataques e ameaças a pessoas que ousem se contrapor ao presidente, liberação formal do vale-tudo ambiental, intrusão ideológica direta na educação, restrições à liberdade de expressão, inundação da comunicação com fake news, ameaças e discurso de ódio. Ricardo Barros já fala em leis para punir institutos de pesquisa. A intimidação estará permitida.

Bolsonaro não tirou essa estratégia da cartola. É o livro de regras do populismo antidemocrático, que pode ser de direita ou de esquerda. Quando a ditadura é de direita, Bolsonaro apoia e até bajula, como fez com Viktor Orbán na Hungria.

E copia seus métodos em casa. Orbán também acabou com a independência do Judiciário. Na Hungria, só restaram grupos de mídia controlados por amigos do primeiro-ministro. Leis eleitorais foram alteradas para garantir a reeleição perpétua do partido dominante, que também domina os recursos para financiar seus aliados, além de ter criado ao seu redor um círculo de oligarcas apoiadores do regime. Mesmo as universidades estão sob vigilância. E é com esse governo que Bolsonaro diz ter "afinidades".

O apoio do PT a ditaduras de esquerda é condenável. Nunca se traduziu, contudo, em tentativas de copiar seus métodos aqui dentro. Se tentar - por exemplo num "controle social da mídia" —há todo um Congresso bolsonarista para barrá-lo. É por isso que, neste momento, a maior ameaça de venezuelização do Brasil está em Bolsonaro.

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