Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca
Descrição de chapéu ataque à democracia

A democracia resistiu aos golpistas; já a direita, sucumbiu

Direita opta pelo vale-tudo e joga no lixo estrutura moral

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Se o objetivo dos golpistas era dar mais legitimidade às decisões de Alexandre de Moraes, conseguiram. Subitamente, as críticas às suas decisões parecem menos relevantes. Não porque o argumento jurídico subjacente tenha mudado, mas porque ficou claro que, do lado oposto ao ministro está uma horda de bandidos e arruaceiros.

A pergunta urgente é por que Alexandre de Moraes é a única autoridade a dar um basta decisivo em atos violentos contra a democracia? Todas as outras autoridades —a quem caberia restabelecer a lei— ou fazem corpo mole conivente ou são paralisadas pelo medo e pela extrema cautela, cheios de dedos para pedir por obséquio que os manifestantes que façam a gentileza de voltar a suas casas. Como se uma multidão que reza para um pneu, implora por golpe de Estado e defeca no prédio do Congresso fosse se deixar persuadir por um pedido bem-educado.

Seja como for, ainda que unicamente graças ao Supremo, a democracia brasileira resistiu ao pior ataque desde 1964. Prédios foram danificados, mas a vida pública continuará ilesa. Já a direita brasileira foi ferida de forma mais grave.

Manifestantes bolsonaristas invadem Praça dos Três Poderes e depredam prédios - Evaristo Sa-8.jan.23/AFP

É preciso reconhecer: nunca houve nada de patriótico ou admirável no bolsonarismo. Sempre foi uma mistura doentia de alucinação coletiva e desejos autoritários. O Brasil precisa de uma direita comprometida com a democracia, e o primeiro passo para isso é condenar duramente todos os bandidos que participaram da invasão aos Poderes, bem como repudiar cada um dos influenciadores e lideranças que os estimularam nos últimos meses.

Agora que os atos falharam, muitos deles, que seriam os primeiros a saudar os "bravos revolucionários" se a intentona desse certo, agora se fazem de surpresos e dizem condenar qualquer violência. Tendo aplaudido e incentivado cada novo passo das organizações golpistas, fica difícil acreditar que repudiam sua consequência inevitável. Aliás, a Câmara dos Deputados, num ato inclusive de autodefesa, deveria impedir a posse ou cassar o mandato de todo representante que tenha aplaudido as manifestações golpistas. Eles também respondem pela destruição de seu próprio local de trabalho.

É perfeitamente razoável se indignar contra a volta de Lula à Presidência ou contra decisões de Alexandre de Moraes. Mas quem os tenta derrubar pela violência é muito pior do que eles. É preciso criticar com verdade e com compromisso democrático inabalável. A vitória há de ser conquistada nas urnas, não no golpe. E, para isso, a direita precisa ser exorcizada da paranoia anticomunista, das teorias da conspiração, do ódio à imprensa, da rejeição à ciência.

A direita representa a liberdade e responsabilidade individuais, a crença no poder do trabalho, na eficiência econômica, no realismo com a natureza humana, na importância de criar um bom ambiente para as pessoas se desenvolverem em vez de tentar —em vão— garantir tudo a todos.

Prega também o respeito às tradições e à fé, na certeza de que sem uma estrutura moral não há sociedade que resista. É essa estrutura moral que a direita bolsonarista jogou no lixo, optando pelo vale-tudo, inclusive a mentira e a violência, em nome do poder. Ver arruaceiros entoando hinos gospel enquanto depredavam o Congresso é o sinal de uma profunda doença espiritual. Os escombros dos prédios de Brasília serão limpos em algumas semanas. Os da direita vão demorar um pouco mais.

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