Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Joel Pinheiro da Fonseca

Para que serve um colunista?

Priorizar argumentos e respeitar a realidade é função do comentarista

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Nem só de notícias e reportagens vivem os jornais. Estamos afogados em fatos e dados. Isso vale tanto para os fatos e dados falsos, as fake news que jornalistas e checadores tanto se esforçam para corrigir, quanto para os verdadeiros. Há simplesmente muita informação sendo ofertada. Essa abundância, contudo, não é acompanhada de um aumento de capacidade de cada um de nós de entender, interpretar e julgar cada unidade dela.

Precisamos de ordem: cada um de nós tem uma visão de mundo e uma narrativa simplificada da história recente. É dentro de uma estrutura assim que informações esparsas passam a fazer sentido, como tijolos numa construção.

Uma narrativa pode se aproximar mais ou menos da realidade do que outra, mas não é trivial compará-las. Cada um dos tijolos ali pode ser retirado sem que a obra desmorone. Se alguém que mostra que a informação que você compartilhava sobre Bolsonaro era falsa, isso te leva a corrigir uma crença pontual, e não a revisar toda sua visão política.

- Adobe stock

Aí entra o colunista —ou comentarista, analista, articulista— de opinião. Seu trabalho não é tanto trazer fatos novos, mas selecionar, interpretar e julgar os fatos, idealmente ajudando os leitores a entender melhor o que se passa. Isso é útil porque: 1) traz ao conhecimento do leitor fatos que, embora já públicos, ele talvez não conheça ou cujas implicações ele não tenha percebido (o que os números da economia significam? O que se conclui das nomeações do novo governo?) ; 2) ajuda-o a tomar decisões para sua vida ou a se posicionar sobre as questões que mobilizam a sociedade.

Ocorre que toda questão admite diferentes posicionamentos. Além disso, a mente humana não se guia espontaneamente pelas melhores evidências; ela busca confirmar crenças prévias —crenças que reforçam identidades pessoais, alinhamentos políticos, interesses econômicos. Com mais informação disponível, a mente de cada indivíduo tem mais opções para selecionar os pedaços que interessam, descartar os que incomodam e montar assim uma narrativa que lhe convenha. E o fará enquanto jura de pés juntos —até para si mesmo— estar apenas buscando a verdade.

Ser engenhoso em pegar os fatos novos —as notícias do dia— e encaixá-los em uma das narrativas dominantes é um trabalho em alta. Mostre que o seu lado está sempre certo e —mais importante— que o outro é um verdadeiro demônio. Dê à torcida tudo aquilo que ela quer. No limite mais baixo, até os fatos viram parte do jogo: forneça pretextos para rejeitar fatos indesejáveis e afirme com convicção fatos duvidosos —ou até patentemente falsos— que reforcem as convicções dos leitores. Você será amplamente recompensado; há mercado para quem for hábil nisso.

O mercado, contudo, não é o melhor guia para a verdade. Ao menos não no curto prazo. O comentarista que estimula os preconceitos de seus leitores faz deles cidadãos e pessoas piores. Em um momento em que a divergência aumenta e em que narrativas muito simplórias são reproduzidas como verdadeiras armas de guerra ideológica, penso que a postura contrária agrega mais: mostrar os limites, as nuances e mesmo as falhas das narrativas. Instigar o leitor a interpretar a realidade sem se deixar instrumentalizar por algum projeto de poder. Defender aquilo que se crê ser o melhor, mas de forma honesta: priorizando argumentos e respeitando a realidade acima de tudo.

Se ajudei os leitores nessa direção ao longo de 2022, cumpri meu papel. E, com todos os defeitos e imperfeições, é o que seguirei tentando em 2023. Feliz ano novo!

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.