Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca
Descrição de chapéu Congresso Nacional

O eterno retorno do balcão de negócios no Congresso

O Legislativo eleito em 2022 é consideravelmente de direita, mas, felizmente para o governo Lula, também bastante fisiologista

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Até mesmo partidos que compõem formalmente a base do PT neste governo —como PSD, MDB e Solidariedade— votaram contrariamente ao PT ao longo dos últimos anos, conforme revela matéria na Folha desta segunda. Ou seja, ainda que estejam do lado do governo, não necessariamente votarão com ele em todas as pautas; especialmente nas econômicas, que mais inspiram o temor de afundar o Brasil numa nova crise como a de 2015.

Mesmo supondo —o que é bastante improvável— que essa base vote como um bloco coeso a favor do governo em todas as pautas, isso somaria apenas 223 votos, ou seja, nem mesmo o bastante para se aprovar um simples projeto de lei, que requer 257 votos. Isso para não falar de uma PEC, que exige três quintos da Câmara.

Sessão deliberativa da Câmara, em 2022 - Elaine Menke - 3.ago.22/Divulgação Câmara dos Deputados

O Congresso eleito em 2022 é consideravelmente de direita, com o PL tendo a maior bancada. Felizmente para o governo, ele é também bastante fisiologista —ou seja, negocia propostas com base em recursos e cargos para os partidos. E é isso que o governo se dispõe a fazer.

Sabemos bem os termos dessa negociação, e mesmo membros do PT não o escondem. O governo trabalha para liberar R$ 3 bilhões do Orçamento —decidido ano passado—, parte significativa dos investimentos dos ministérios, para novos deputados. Bilhões de reais do Orçamento federal indo para projetos espalhados pelo país, destinados a prefeituras selecionadas por critérios puramente políticos, coalhados de corrupção e mal planejados.

Esse tipo de negociação inspira os piores sentimentos junto à população, mas cabe pontuar que há jeitos e jeitos de levá-la adiante. O pior jeito é conseguir apoio de modo ilegal. Era o caso do mensalão, no primeiro governo Lula, em que deputados recebiam uma mesada para votar com o governo. Próximo disso —muito maior em valores mas não claramente ilegal— foi o orçamento secreto, proibido no finzinho do ano pelo STF, em que dinheiro de emendas era distribuído pelo país sem clareza sobre quem havia direcionado o quê.

Outra pergunta é a finalidade dessa negociação. Nos anos Bolsonaro, o orçamento secreto —bem como a entrega de fundos bilionários e da Casa Civil— serviu basicamente para manter o governo vivo, sem grandes avanços programáticos. No novo governo Lula, é certo que a reforma tributária exigirá toda a dedicação do governo neste primeiro ano. Se for bem-feita e aprovada, será uma conquista real para o Brasil.

É ilusório pensar numa política desprovida de interesses pessoais, partidários e de categorias sociais. Na verdade, a democracia serve também como arena dos embates pelos recursos escassos —seja dinheiro ou poder de decisão— entre diferentes grupos organizados. Em vez de disputar na bala, usamos a palavra dentro das regras do jogo. A ambição é regrada, e não suprimida.

Um partido, por exemplo, que, em nome de votar pensando única e exclusivamente no bem comum e não em seu interesse privado, abra mão de qualquer raciocínio fisiológico —que deixe, por exemplo, de pleitear posições no governo—, logo estará limado das posições de influência. E ao ficar sem influência, não terá a capacidade levar adiante a agenda do bem comum pela qual luta.

O problema não é a existência da negociação por recursos e cargos, e sim que ela exclua a discussão programática e que sirva apenas aos participantes do jogo. Mudar esse equilíbrio entre considerações fisiológicas e programáticas, contudo, está fora do escopo de qualquer governo que enfrente um Congresso pulverizado. Podemos, se tanto, fiscalizar para que ocorra dentro da lei e que tenha algum objetivo além do próprio poder.

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