Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca
Descrição de chapéu Banco Central juros

Críticos não são inimigos

Desqualificar qualquer posição contrária como oriunda de interesses escusos é embotar a própria inteligência

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A coisa mais difícil para um político é admitir que existe uma realidade objetiva, para além das percepções humanas, e que ela se comporta de acordo com leis que não mudam pela força do querer. Isso é verdade para construir uma ponte que não caia, para combater eficazmente uma pandemia e para reduzir os juros da economia também.

Depois de quatro anos em que o governo se resumiu basicamente a construir narrativas mirabolantes, recheadas de mentiras puras e simples, para mascarar uma realidade que não se comportava de acordo com os desejos do soberano, dá até um alívio saber que o debate sério sobre o mundo real —e não alucinações extremistas— é mais uma vez possível.

No entanto, para que ele aconteça, é necessário que existam pessoas dispostas a discutir. Isto é, a formular e rebater argumentos defendendo posições antagônicas numa atitude de boa-fé intelectual, levando a sério o conteúdo do que é dito pelo outro lado.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, faz apresentação sobre conjuntura econômica em almoço de fim de ano da Federação Brasileira de Bancos, com a presença de Fernando Haddad, em São Paulo, em 2022 - Mathilde Missioneiro - 25.nov.22/Folhapress

O Brasil não lida bem com a discordância. Todo mundo ou é gênio ou é patético, abaixo da crítica, num nível que nem merece resposta. Isso vale inclusive nos meios intelectuais e acadêmicos. Entre os seus, na panelinha, só elogios. E os de fora são solenemente ignorados como se não existissem.

Quando entramos na política, então, a dificuldade é ainda maior. Não que opiniões e críticas não tenham seu aspecto político e às vezes até pessoal, dando voz a interesses, desejos e rancores. Mas esse aspecto político não apaga seu conteúdo.

Quando não estamos falando sobre o mais novo plano escabroso a surgir dos porões bolsonaristas, estamos discutindo a difícil relação do governo Lula com o mercado e com os indicadores econômicos. Suas falas, em vez de ajudar a criar mais estabilidade e previsibilidade, parecem planejadas para estremecer.

Lula já elegeu Roberto Campos Neto como o inimigo da vez. É verdade que o presidente do BC poderia ter sido mais circunspecto quanto à sua preferência política —participava de grupo de WhatsApp de ministros do governo e foi votar usando camiseta da seleção, só para deixar sua preferência bem clara. Não é o ideal de quem se espera a imagem —a percepção— da mais pura isenção.

O mesmo Roberto Campos Neto que reduziu a taxa Selic para 2% ao ano durante a pandemia. Seu antecessor, Ilan Goldfajn, assumira com a taxa a 14,25% ao ano e a entregou com 6,5%. Ou seja, os defensores dos ricos e dos rentistas foram responsáveis pela redução mais brutal dos juros da nossa história recente.

Se agora decide manter a taxa a 13,75%, isso não pode ser imediatamente desqualificado como obedecendo ao interesse das elites rentistas. É preciso no mínimo se perguntar se há motivos reais, objetivos, para os juros estarem altos.

Desqualificar automaticamente qualquer posição contrária como oriunda de interesses escusos é embotar a própria inteligência, tornando-se incapaz de discutir a realidade e passando a operar apenas no plano da amizade ou inimizade políticas. O bolsonarismo levou esse jogo ao paroxismo, mas foi o PT que começou a jogá-lo lá atrás, e agora volta ao campo com a mesma atitude.

Sei bem que, para o grosso da militância e dos apoiadores mais fanatizados, esse tipo de apelo é inócuo. Ele vale, contudo, para aqueles capazes de discutir racionalmente. Vejo pessoas que sei serem inteligentes, bem formadas, tratando toda crítica ao governo Lula como se viesse de interesses escusos da "elite rentista", do "neoliberalismo". Se continuarmos assim, o atoleiro extremista de que não saímos desde 2018 tende a perdurar.

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