Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Exageros à parte, o famigerado 'identitarismo' tem problemas, sim

Resgate de Brasil da reconciliação é único caminho para superar injustiças

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Válidas e importantes as defesas recentes de Thiago Amparo e Celso Rocha de Barros ao bicho papão "identitário" aqui na Folha. O que muitas vezes se descarta como "identitarismo" são pautas importantes para remediar injustiças históricas no país. Representatividade em instâncias de poder importa. Não é mera mudança cosmética. Ter uma ministra do Supremo negra seria positivo para o país.

Também é verdade que, ao menos no Brasil, as pautas de identidades específicas (mulheres, negros, indígenas, LGBTs) jamais esquecem da dimensão da classe social. O debate trans sempre traz a situação de travestis nas ruas. As cotas raciais brasileiras são inseridas dentro da cota social, como forma de impedir negros ricos (o proverbial "filho do Neymar") de se beneficiar delas. Quando uma política pública endereça a saúde menstrual das mulheres, é distribuindo absorventes na escola pública.

Ativistas e grupos antirracistas protestam na Marcha da Consciência Negra, em São Paulo, pedindo mais direitos e representatividade às pessoas pretas e pardas
Ativistas e grupos antirracistas protestam na Marcha da Consciência Negra, em São Paulo, pedindo mais direitos e representatividade às pessoas pretas e pardas - Rivaldo Gomes - 20.nov.22/Folhapress

O problema do identitarismo não está, creio, nesses objetivos finais, e sim na forma como são conduzidos. Para usar a expressão do jornalista Pedro Doria em vídeo recente do Canal Meio, o identitarismo problemático —ou aquilo que se critica nos movimentos de identidades atuais— é mais uma "tática política" do que suas bandeiras. Tática que consiste em acirrar o antagonismo de diferentes identidades sociais e em atribuir de um valor moral a priori aos indivíduos que as compõem. Quem é do grupo opressor é mau; quem é do grupo oprimido é bom.

Assim, o negro está livre para ser racista porque, garantem-nos as autoridades, "não pode existir racismo contra branco". À minoria, tudo é permitido. Perante uma acusação de machismo, racismo ou transfobia, por outro lado, a mera exigência de provas é já uma opressão, pois "a vítima tem sempre razão", para usar a expressão problematizada por Francisco Bosco em seu livro de 2017.

Quando o objetivo deixa de ser a igualdade na união e passa a ser a desforra do oprimido contra seu opressor, aqueles que são classificados como opressores uma hora vão reagir. Toda afirmação de identidade se dá em oposição a outra identidade. Se a identidade "negro" ou "mulher" se torna cada vez mais relevante politicamente —isto é, se é utilizada como arma—, brancos e homens irão despertar politicamente também.

Aprendamos com o ocaso do "identitarismo" nos EUA e na Inglaterra; que por lá se chamam de "woke". Tanto a bandeira racial do Black Lives Matter nos EUA quanto as pautas transgênero no Reino Unido estão em franca retração. O discurso radical e sem possibilidade de compromisso ocultou práticas corruptas e mudanças sem o devido estudo. Agora a reação chegou com muitas contas a acertar.

E mais do que isso: o discurso maniqueísta, mesmo que não encontrasse oposição, não conduziria à justiça real. Ele apenas reproduz as injustiças que diz combater. É a assessora do Ministério da Igualdade Racial proferindo injúrias racistas na certeza de que, por ser uma negra falando mal de brancos por serem brancos, praticava um ato louvável. Por mais que ninguém ouse questionar e sofrer o temido "cancelamento", a maioria vê as injustiças e gesta uma indignação calada.

Se há uma coisa que o Brasil tem a apresentar ao mundo é o ideal da mistura. Ideal que, quando confundido com a realidade, serviu para mascarar desigualdades e injustiças; mas que nem por isso deixa de ser o ideal. O resgate desse Brasil da reconciliação é o único caminho para superar as injustiças.

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