Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca

Afinal, quantas pessoas estavam na Paulista para apoiar Bolsonaro?

Ficamos acostumados com estimativas fantasiosas do tamanho de multidões

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O tamanho de um protesto importa. Ele mostra a força (ou fraqueza) da causa. É por isso que as pessoas discutem acaloradamente qual protesto foi maior e que diferentes estimativas (organizadores, Polícia Militar) sempre aparecem e são usadas como armas pelos dois lados, sem o menor critério.

E é por isso que a direita bolsonarista não gostou da medida do Monitor do Debate Público no Meio Digital, comandado por professores da USP, que estimou 185 mil pessoas simultâneas durante o pico do protesto no domingo. O número preferido pelos bolsonaristas, de 600 mil pessoas, impressiona mais.

O Monitor utiliza drones para tirar fotos da multidão num dado horário, depois junta-as todas para gerar uma grande fotografia de todo o protesto naquele momento e, utilizando inteligência artificial, conta o número de pessoas. É uma medida bastante confiável e que vem se tornando mais precisa conforme a contagem automática vai ficando mais sofisticada.

Ato de Bolsonaro na avenida Paulista no domingo (25) - Eduardo Knapp/Folhapress

Não é a única medida possível. O Monitor conta o número de pessoas que estavam no protesto simultaneamente no momento de máxima participação. Isso é diferente do número total de pessoas que compareceram ao longo de todo o protesto —como mede o Datafolha usando pesquisadores presenciais—, dado que a todo momento há pessoas chegando e outras indo embora. Mas é uma medida mais fácil, barata, exata e menos dependente do fator humano. Se o Monitor disponibilizar as fotos aéreas que utiliza, qualquer cidadão poderá replicar sua medida.

Uma multidão impressionante de 185 mil pessoas só parece decepcionante por um único motivo: fomos acostumados, durante anos, com estimativas completamente fantasiosas do tamanho de multidões. Quatro milhões na Parada LGBT? Essa quantidade nem sequer cabe dentro da avenida Paulista. Tomando sua área —cerca de 130 mil metros quadrados—, e imaginando seis pessoas por metro quadrado, chegamos a uma lotação máxima de 780 mil pessoas; e isso é espremendo todo mundo como num metrô lotado. Só a título de comparação, o protesto de domingo é o maior já medido pelo grupo. A festa de vitória do Lula, também na Paulista, juntou cerca de 58 mil pessoas em seu pico.

Não ajudou nada o fato de o site de esquerda Brasil 247 ter atribuído ao grupo da USP a estimativa de 30 mil pessoas, essa sim muito abaixo da realidade. (Tudo indica que o site encontrou a estimativa que o Monitor fez de um ato na Paulista em 2022, e erroneamente publicou como se se referisse ao protesto de domingo). Isso só contribuiu para alimentar a percepção falsa de que a estimativa é politicamente enviesada e gerar ataques da direita bolsonarista contra os pesquisadores.

O progresso técnico na contagem de multidões é apenas uma parte do desafio. A outra parte é conquistar a confiança de ambos os lados do debate público. E aí não há fórmula pronta. Ser transparente com método e com os dados —mostrando as fotos analisadas e os horários— ajuda. Assim como demonstrar total imparcialidade. Pode não pegar tão bem mostrar que a Parada LGBT ou a Marcha para Jesus têm menos gente do que seus organizadores alardeiam, mas, se ficar claro para todos que os números do grupo não têm lado, serão aceitos por cada vez mais pessoas.

Em tempos de hiperpolitização, todo pequeno ganho de terreno por fatos sólidos —que são usados para testar e limitar as narrativas, e não construídos para legitimá-las— é algo a se celebrar. No futuro, o tamanho de protestos pode ser algo tão consensual quanto medições de temperatura e distância; e poderemos gastar energia discutindo coisas mais produtivas.

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