Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca

Bolsonaro tentou ou só planejou o golpe?

Caminho para a condenação do ex-presidente não parece óbvio

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Jair Bolsonaro sempre foi golpista e tentou desacreditar as urnas. Graças à investigação da PF, agora sabemos que ele também participou ativamente do planejamento do golpe de Estado, inclusive sugerindo alterações na minuta de decreto de estado de sítio e Garantia da Lei e da Ordem.

Ocorre que, no fim das contas, ele não emitiu o decreto. A falta de apoio e o medo de ser preso, aparentemente, falaram mais alto. Antes do fim do mandato, fugiu para os EUA, deixando seus comparsas a ver navios. E então surge a discussão: ele cometeu crime contra o Estado democrático de Direito?

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante a posse de Javier Milei na Argentina - Alejandro Pagni - 10.dez.2023/AFP

A lei, afinal, pune a tentativa e não o mero planejamento. E mais: pune a tentativa desde que ela se dê por meio de "violência ou grave ameaça". Discutir a definição minuciosa de atos humanos é passatempo tanto de juristas quanto de filósofos como eu, então vamos lá.

A princípio, Bolsonaro não parece ter tentado dar o golpe. Tentar seria emitir o decreto combinado e colocar todo o esquema em andamento. O que ele fez parece se enquadrar perfeitamente como atos preparatórios: reuniu-se com diversas pessoas, trocou mensagens, sugeriu edições à minuta, preparou discurso.

Considerar uma reunião para combinar um golpe futuro como sendo parte da execução do golpe parece uma interpretação bem exagerada e feita sob medida para condenar o alvo.

Há duas linhas mais concretas para apontar uma tentativa real —indo além da mera preparação— por parte de Bolsonaro: o primeiro é o monitoramento de Alexandre de Moraes, com o intuito de prendê-lo assim que o estado de sítio fosse declarado.

Mas não está claro o quanto Bolsonaro sequer sabia desse monitoramento. E, mesmo que aceitemos que o ato de monitorar Moraes fosse já parte da tentativa —e não da mera preparação— do golpe, dá para falar em uso da violência ou de grave ameaça?

A grave ameaça depende da vítima saber que é ameaçada, de modo a mudar sua conduta por medo. A vítima aqui era monitorada em segredo.

O segundo caminho de incriminar Bolsonaro é ligar essas tratativas golpistas ao 8 de janeiro, quando, aí sim, tivemos uma tentativa de golpe com violência. Muitos dos que participaram das tratativas iniciais também colaboraram com o 8 de janeiro.

Mas o que se planejava nas conversas golpistas de Bolsonaro e de seus comparsas —como as que se travaram entre Braga Netto e diversos militares para garantir apoio ao golpe— não eram as invasões do dia 8. A ideia era que Bolsonaro declarasse estado de sítio.

Os atos do dia 8 foram a reação desesperada e improvisada dos golpistas justamente por terem sido abandonados por seu chefe supremo, que fugira para Miami sem dar o golpe. E ninguém mostrou que Bolsonaro tenha colaborado diretamente com esse plano B.

O caminho da condenação não parece óbvio.

Assim, voltemos um passo para contemplar o tamanho do absurdo: não há dúvida de que o presidente da República acusou falsamente o sistema eleitoral para insuflar apoio a um golpe de Estado, tramou o golpe para permanecer no poder mesmo tendo perdido a eleição, negociou apoio junto a generais e ainda combinou a prisão ilegal de ministro do Supremo. A dúvida é se aí tem crime.

Que essa discussão toda seja sequer necessária mostra como a lei de crimes contra o Estado democrático de Direito é absurdamente mal formulada. Se se tratasse do planejamento de um ato terrorista, não haveria discussão. A lei antiterrorismo pune mesmo os atos preparatórios.

Não punir o preparo de um golpe de Estado é deixar o país sujeito às maquinações de extremistas e generais golpistas, que poderão se dar ao luxo de tramar tudo e esperar até a hora H para decidir se agem ou não.

Não sei se Bolsonaro será preso ou se sua covardia será sua salvação; mas os próximos "Bolsonaros" não podem ter a mesma saída fácil. Que se mude a lei!

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