Jorge Abrahão

Coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis, organização realizadora da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis.

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Governo precisa da confiança dos prefeitos, e prefeitos, do apoio do governo

Marcha dos Prefeitos mostra o tamanho dos desafios que eles têm pela frente

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A tradicional Marcha dos Prefeitos, organizada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), reuniu milhares de gestores e vereadores das cidades brasileiras em Brasília. A pauta do encontro dá uma noção das principais preocupações dos prefeitos: reforma tributária, pacto federativo, financiamento de políticas setoriais (saúde, educação, saneamento, entre outras) e a reflexão sobre caminhos para o desenvolvimento local. Chamou a atenção a falta de debates sobre participação social, tema chave para as cidades nos dias de hoje.

Na abertura do evento, o vice-presidente, Geraldo Alckmin, disse que, embora tenha sido governador do estado de São Paulo por quatro gestões, é mais lembrado em Pindamonhangaba (SP) como prefeito da cidade do que como governador, buscando valorizar a gestão municipal e reforçando a ideia de que o que interessa na vida das pessoas está muito relacionado ao espaço do município.

Geraldo Alckmin durante seminário sobre gás em São Paulo - Cadu Gomes/VPR

Já a Ministra do Planejamento, Simone Tebet, destacou que mais de 3.000 dos 5.570 municípios brasileiros têm arrecadação per capita menor do que R$ 100 por ano, ou R$ 8 por habitante/mês. Este dado, por si, mostra a dificuldade de investir em áreas que não tenham vínculos orçamentários provenientes dos governos dos estados ou da União, como saúde e educação.

Fernando Haddad, ministro da Fazenda, dedicou-se à defesa da reforma tributária, lembrando que a proposta a ser encaminhada não trará prejuízo às cidades e que fará o PIB crescer 10% nos próximos dez anos. A metáfora por ele utilizada foi a de que a proposta não mexe no bolo, mas sim no seu fermento (o que vai crescer no futuro). Haddad defendeu o imposto sobre consumo, argumentando que 176 dos aproximadamente 200 países que existem no mundo já adotaram o modelo que ora está sendo proposto.

Fernando Haddad speaksto na Embaixada do Brasil na China - Tingshu Wang - 14.abr.23/Pool via Reuters

É certo que, há muito tempo, os municípios vêm absorvendo responsabilidades sem contrapartidas proporcionais, o que os deixa em situação de dificuldade financeira. Percebe-se também um certo receio por parte dos prefeitos, como se estivessem em estado de defesa, avessos a qualquer mudança. Para avançar, será necessário mudar o espírito reinante e criar um ambiente de confiança. Haddad e Tebet têm demonstrado grande alinhamento e simbolizam uma ampla aliança política para a retomada de um momento mais responsável do país, depois dos retrocessos vividos nos últimos quatro anos.

Um novo pacto federativo, que considere as responsabilidades assumidas pelos municípios desde a Constituição de 1988, será necessário para que os governos locais respirem e saiam da atual penúria. A divisão das receitas entre os entes federativos deve ser revista, porque a partilha atual perpetua desigualdades.

O prefeito de Recife, João Campos, em debate sobre a reforma tributária durante a 24ª Marcha dos Prefeitos - José Cruz - 28.mar.23/Agência Brasil

É difícil saber a opção política da maioria dos prefeitos presentes, o que se relaciona, de alguma maneira, com a confiança depositada nas autoridades federais e eventual apoio político. A cuidadosa linguagem adotada pelos ministros evidencia a consciência de que boa parte deles estava alinhada ao governo Bolsonaro. A análise do resultado das eleições em muitas regiões do país corrobora essa divisão de preferências.

Não por acaso, na frente do Centro de Convenções, um fotógrafo oferecia uma fotomontagem em que o prefeito podia escolher aparecer ao lado de Lula ou Bolsonaro, o que dá a medida da divisão no campo municipal e a dedicação de tempo e energia pelas altas lideranças do governo federal ao evento.

Não deixaram de ser curiosas, também, as recomendações em tom paternalista do presidente da CNM ao encerrar os trabalhos do dia: "Lembrem-se de que vocês só terão o certificado de participação do evento se estiverem presentes nas plenárias e painéis, presença esta controlada pela leitura do código de barras no crachá de cada participante".

Logo a seguir, ele recomendou que os presentes não frequentassem locais que pudessem manchar a reputação da classe de governantes municipais. A infantilização dos prefeitos era decretada, portanto, pelo controle da presença, como em uma escola de ensino fundamental; e o alerta aos riscos comportamentais lembrou os apelos de pais receosos a filhos adolescentes. Era de se supor que mandatários das cidades onde vivem os mais de 210 milhões de brasileiros não necessitassem desse tipo de controle.

Ao integrar as dimensões de um evento como a Marcha —conteúdos, mensagens, comportamentos— pode-se ter uma noção do tamanho dos desafios que os prefeitos têm pela frente. E, também, se eles estão realmente preparados para promover uma vida digna para toda a população, o principal objetivo de qualquer gestor público.

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