Jorge Abrahão

Coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis, organização realizadora da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis.

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E se o Botafogo for campeão? E se o oceano incendiar? Ou a revolta das coisas impossíveis

Painel da ONU discute o desequilíbrio do planeta, que coloca em risco a vida humana na Terra

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A letra de Chico Buarque para a música "E se" fala de coisas supostamente impossíveis de acontecer no futebol, na natureza, na rotina da vida e nas relações.

Ao provocar, com nosso modo de vida, a poluição do ar e dos mares, o desmatamento das florestas, o descongelamento das geleiras e o aumento do nível dos oceanos, a fome em bilhão e a desigualdade em bilhões, estamos fazendo acontecer o que também parecia impossível: o desequilíbrio do planeta, colocando em risco a vida humana na Terra.

Nas reuniões da ONU, como a do Painel Político de Alto Nível (HLPF, na sigla em inglês) que iniciou nesta segunda (10) e terminará dia 19, debate-se se ainda é possível reverter esta situação crítica. E como agir, se a reversão ainda for factível. No encontro, que reúne 193 países na sede da ONU, em Nova York, é debatido se estamos dando conta de enfrentar os desafios do mundo resumidos na Agenda 2030 e seus 17 ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável).

Pessoas posam ao lado de totens com itens a serem debatidos no Painel Político de Alto Nível da ONU
O Painel Político de Alto Nível (HLPF) começou nesta segunda (10) na sede da ONU em Nova York (EUA) para debater se ainda é possível reverter o desequilíbrio do planeta - Reprodução/HLPF/ONU

A reunião do HLPF ocorre sempre no mês de julho e é um painel de monitoramento dos compromissos assumidos pelos países em 2015, que se propunham a fazer a transição para um modelo de desenvolvimento sustentável até 2030, em 15 anos, portanto. Os objetivos são ambiciosos, mas factíveis, e se propõem a erradicar a pobreza, acabar com a fome, promover saúde e educação de qualidade para todos, equidade de gênero, enfrentar a mudança climática e promover uma cultura de paz, entre outros. Nesses encontros, os países apresentam seus Relatórios Nacionais Voluntários, mostrando o que têm feito para avançar em determinados ODS, além de trocas de experiências e compartilhamentos de boas práticas, renovando compromissos ou redirecionando ações.

A importância da reunião deste ano está relacionada ao fato de que estamos justamente na metade da Agenda 2030. É fundamental que se faça um balanço do caminho percorrido até agora para determinar os desafios dos próximos sete anos. Os dados mostram que andamos muito menos do que foi planejado. Nesse período, a pobreza e a fome aumentaram ao invés de diminuir; as desigualdades entre países e dentro dos países, também; as emissões de gases de efeito estufa cresceram; o risco para a democracia aumentou com a ascensão da extrema direita, sem falar da inteligência artificial e sua exponencial capacidade de manipular as pessoas, com grande potencial de dano ao sistema democrático.

O Brasil inscreveu um "side event" no HLPF que tem por objetivo anunciar seu retorno para a Agenda 2030, depois de quatro anos de negação. Observa-se na ONU um grande interesse pelo que o Brasil tem a dizer neste momento. Ao se comprometer com o fim do desmatamento, ao proteger os yanomamis, ao consolidar o bolsa família, garantir o aumento real do salário mínimo e ao encaminhar uma reforma tributária progressiva, entre outros assuntos, as políticas do país se alinham com os ODS. Todos esses avanços, entretanto, podem sofrer um abalo caso a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas e a mineração na Amazônia sejam autorizadas. A Amazônia deve ser considerada um santuário ecológico e, como tal, mantida à distância da lógica dos mercados globais, sedentos por commodities. Seu valor, no sentido mais amplo do termo, está relacionado à capacidade de manter-se como um espaço único de biodiversidade no planeta.

A criação da Comissão Nacional dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (CNODS) é um passo importante para a implementação da Agenda 2030 no Brasil. A Comissão, que está em processo de reconstrução depois de ter sido extinta pelo governo Bolsonaro em 2019, será responsável por articular as diferentes esferas de governo, a sociedade civil e as empresas para avançarem nos compromissos assumidos quando da assinatura da Agenda 2030.

A verdade é que, se não for na base dos afetos, dos grandes valores mobilizadores da vida, da solidariedade, da empatia e da alteridade, será difícil avançarmos globalmente. É esta dimensão da vida que carecemos acionar, já que, na base da razão "econômica", estamos acabando com o mundo.

O roteiro da genial letra de Chico Buarque para a música de Francis Hime foi costurado para chegar ao que interessa na vida: os afetos. O verso final, que tudo desvenda, é: "E se meu amor gostar, então, de mim". Anunciar a impossibilidade daquele amor era a grande motivação da música.

Coletivamente não é diferente. Se não rompermos as fronteiras, se não nos enxergarmos como um todo, se não nos percebermos como somente uma pequena parte da vida, se não formos guiados para deixar algo melhor para as futuras gerações, não haverá saída.

Mas enquanto tivermos capacidade de sonhar, como sonha Chico, há esperança.

E se nosso amor gostar, então, de nós.

Será possível?

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