Jorge Abrahão

Coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis, organização realizadora da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Jorge Abrahão

O tempo passa, as desigualdades permanecem

A diferença da média de idade de morte no Jardim Paulista, na zona oeste (80 anos), e no Iguatemi (59 anos), na zona oeste, é de 21 anos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A distância que separa dois distritos da cidade de São Paulo não é medida em quilômetros ou minutos, mas em tempo de vida: 21 anos. O que pode ser mais chocante e revelador sobre a nossa incapacidade de construir uma sociedade mais justa do que estes 21 anos que se rouba da população mais vulnerável?

É o exemplo acabado da construção, tijolo por tijolo, de uma sociedade excludente. É o legado de políticos e de uma elite econômica que defende interesses privados em detrimento dos públicos, que concentra renda e faz do Brasil um dos dez tristes campeões globais da desigualdade, na companhia de países como Botsuana, Zâmbia e Namíbia.

Rua Miguel Fernandes, no Iguatemi, zona leste de São Paulo; em média, moradores da região vivem 21 anos a menos que no Jardim Paulista, na zona oeste - Rivaldo Gomes - 16.nov.22/Folhapress

A síntese das desigualdades da cidade mais rica do país e da América Latina está estampada nestes 21 anos, a diferença da idade média ao morrer entre o Jardim Paulista, na zona oeste (80 anos), e Iguatemi (59 anos), na zona oeste. Um prefeito que se propusesse a reduzir para a metade esta diferença, faria sua maior obra, deixaria sua maior marca.

Para tanto, teria que investir nos temas que nos separam: acesso à saúde e educação publica de qualidade; à habitação digna; saneamento adequado; redução da violência contra mulheres e jovens, sobretudo negros. Compõem também esse mosaico das desigualdades a redução da mortalidade infantil e da gravidez na adolescência, entre outros temas.

A persistente diferença da idade média ao morrer em uma cidade como São Paulo demonstra a incapacidade da sociedade para reagir a este que é o maior problema do Brasil: a desigualdade social. Por sua vez, a raiz de muitos outros problemas como a pobreza, a violência e nossa dificuldade para enfrentar as mudanças climáticas.

O Instituto Cidades Sustentáveis e a Rede Nossa São Paulo estão lançando nesta quarta-feira (23) o Mapa da Desigualdade da Cidade de São Paulo.

O mapa foi concebido para mostrar a desigualdade entre o melhor e o pior distrito da cidade, em diversos temas relevantes. Assim, busca evidenciar as diferenças dentro da cidade, alertando para o fato de que a solução também está instalada na cidade. Teoricamente, seria repetir as condições dos melhores distritos para encaminharmos soluções nos piores distritos, reduzindo as desigualdades.

O Mapa revela que a violência contra as mulheres, população negra e LGBTQIAP+ aumentou na cidade. Que a mortalidade de jovens é o dobro da média de homicídios. Que a oferta de empregos é muito desigual entre os distritos, obrigando quem busca emprego a enfrentar longos deslocamentos, que reduzem em muito a qualidade de vida. Que a taxa de gravidez na adolescência em Cidade Tiradentes é 33 vezes maior do que em Moema. Que temos 31.884 moradores em situação de rua, sobretudo nos bairros do centro expandido, carentes de um programa de cuidado estruturado.

Que a oferta de espaços de cultura e lazer além de desigual entre as regiões da cidade, vem se reduzindo ano a ano. Que, em relação ao acesso a internet, a desigualdade digital é enorme; no Itaim há 50,9 antenas por 10 mil habitantes, enquanto no Jardim Helena há 0,88 antenas para cada 10 mil habitantes. Como ter o mesmo acesso a oportunidades de emprego, negócios, educação e saúde, sem a possibilidade de acessar a internet?

Políticas públicas são a solução para a desigualdade. O Mapa contribuiu para a criação de uma política pública inédita, que considerou o índice de vulnerabilidade dos distritos para direcionar 25% do investimento municipal naqueles mais vulneráveis. Distritos mais necessitados recebendo mais recursos, um caminho para a redução da desigualdade.

Ao analisarmos como a desigualdade se comportou nos últimos cinco anos, percebemos nossa incapacidade de enfrentar o problema e gerar soluções. Em síntese, o tema não foi prioridade. Em meia década, a violência contra as mulheres aumentou muito (+67%), assim como contra (+28%), enquanto a oferta de empregos diminuiu 13%.

Nestes cinco anos, melhorou em mais de 90% o tempo de atendimento para vaga em creche, assim como a taxa de gravidez na adolescência (queda de 26,7%) e a mortalidade infantil (queda de 12,5%).

Uma cidade próspera como São Paulo deveria ser referência no combate à desigualdade, mas a lógica do modelo não permite que os recursos fluam para os mais vulneráveis.

A desigualdade é uma questão de humanidade, sensibilidade e justiça, mas não bastasse isso, ela impacta toda a sociedade, sendo interesse de todos resolvê-la.

Uma cidade de paz, democrática, inovadora e humana só será possível quando formos capazes de desatar o nó da desigualdade, que pede coragem para enfrentar interesses de um pequeno grupo de super ricos, em benefício da grande maioria da população.

Como pode um país tão rico ser tão desigual? A pergunta que não cala está revelada no Mapa da Desigualdade 2022, mas pode ser respondida na medida em que a desigualdade for encarada como prioridade nacional. A solução passa por condicionar todas as políticas públicas, sem exceção, a sua redução. Caso contrário, perdem o sentido neste momento do Brasil.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.