José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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José Henrique Mariante

Panelas na borda da Terra plana

Folha lê melhor protestos na semana em que o país fez força para degringolar

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A semana começou bem para a Folha. O jornal entendeu o que aconteceu no sábado (29) e deu o peso devido ao relato das manifestações contra Jair Bolsonaro pelo país. Os concorrentes diretos dormiram, e a literatura comparada das redes sociais destacou a Primeira Página do domingo (30) deste diário. Não se sabe até quando, mas o registro histórico ainda é uma prerrogativa da combalida versão impressa.

A semana fez também o Brasil se sentir um pouco mais próximo da borda da Terra plana do bolsonarismo, emprestando aqui a expressão usada pela médica Luana Araújo na CPI.
Em reação ao que viu nas ruas no fim de semana, o presidente encampou a organização, em plena pandemia, de um torneio de futebol, ato questionado planeta afora, festejou em cadeia nacional um PIB inesperado e ainda recebeu da cúpula militar a escritura do que chama de seu Exército.

Ilustração de Carvall para coluna do Ombudsman publicada no dia 06 de junho de 2021
Carvall

Teve tempo ainda para insultar a jornalista Daniela Lima, da CNN Brasil, ao opinar sobre um vídeo maldosamente editado que circula no WhatsApp. O histórico de ataques à imprensa feitos por Bolsonaro é conhecido e, na maioria dos casos, são ofensas contra mulheres jornalistas. Sexismo não é exclusividade do presidente, como comprovam senadores da CPI, mas sua ojeriza aos que vê como “quadrúpedes”, como ele classificou a ex-colega de Folha, é sintomática.

Dois deles, Milton Coelho da Graça e Ribamar Oliveira, foram levados pela Covid-19 nos últimos dias. Milton fez um monte de coisas, mas também foi o responsável pela edição histórica de O Globo, que, em 1981, frustrou a tentativa do serviço secreto do Exército de subverter a culpa de militares pelo atentado no Riocentro. Ribamar, outro profissional de extenso currículo, cunhou no Valor Econômico o termo “pedalada”, e seu nome consta nas primeiras reportagens que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff.

O jornalismo profissional de “quadrúpedes” enfrenta regimes e presidentes, inclusive os bípedes que respeitam a Constituição e entendem o papel da imprensa em uma democracia.

Ruas e panelas

Ainda que festejada pela cobertura dos protestos, a Folha não escapou da onda crítica direcionada a boa parte da “grande mídia”. O editorial “Novidade nas ruas”, que foi ao ar já na noite de sábado (29), acabou sendo percebido por alguns leitores como disposição antecipada do jornal em relação ao pleito de 2022. O texto questiona o que “a esquerda, a começar pelo PT, oferece além da adversativa”.

Do outro lado, quem desdenhou do tamanho das manifestações foi logo atropelado pelas respostas de Bolsonaro e de seu principal adversário até aqui, João Doria, aos gritos de “vacinação já”. Na quarta (2), o governador ganhou as manchetes dos principais sites com a promessa de imunizar todos os adultos de São Paulo até outubro. Bolsonaro, horas depois e sob o mais agudo panelaço do mandato, achou um número para chamar de seu, 100 milhões de doses entregues, e ainda disse que todos os brasileiros “que assim desejarem” serão vacinados até o fim do ano.

Novos protestos já foram marcados para 19 de junho. Aos pedidos de vacinação e impeachment se somarão os de repúdio à violência policial e à submissão das Forças Armadas, cristalina após a não punição do general da ativa Eduardo Pazuello.

O país desce a ladeira, cresce a importância do jornalismo, aumenta a tarefa da Folha.

Naomi e seleção

Naomi Osaka, 23, tenista número dois do mundo, foi multada em US$ 15 mil por não comparecer a uma entrevista pós-jogo em Roland Garros. A atleta havia alertado, antes da competição, de que não falaria com a imprensa, pois vinha se sentindo ansiosa e estressada pelas perguntas. Os cartolas, além de ignorarem o apelo, ainda sublinharam que, se ela insistisse na negativa, sua inscrição em futuros Grand Slams estaria ameaçada.

Naomi então desistiu do torneio, algo inédito nesse nível do esporte, escrevendo no Twitter que, desde 2018, lida com episódios de depressão. Os organizadores perceberam logo o tamanho da bobagem, correram para divulgar palavras de apoio, assim como patrocinadores, personalidades e atletas. A Folha registrou a novela, mas não se debruçou sobre a questão jornalística.

A culpa é da imprensa? A quantidade de perguntas bobas em entrevistas coletivas, não apenas no universo esportivo, realmente não ajuda, mas a responsabilidade não está apenas nos microfones —Naomi, em seu post, chega a pedir desculpas aos jornalistas.

A tenista talvez não precise da imprensa, ainda mais falando diretamente com milhões de fãs pelas redes sociais, mas o esporte precisa e o público também. Afinal, não seria importante, por exemplo, ouvir os atletas da seleção sobre Copa América e CBF?

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