José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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Folha encerra circulação de jornal popular e finda era da imprensa em São Paulo

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Uma nota curta na coluna Painel S.A., publicada na quarta-feira (24), comunicou o fim do jornal Agora São Paulo. Seu último número impresso circula neste domingo (28). O site, que apenas reproduzia o conteúdo do papel, fica congelado. Aos leitores do diário será oferecida a possibilidade de transferir a assinatura para a Folha. Aos jornalistas da casa, a de mudar para a Redação da irmã maior. "A decisão do Grupo Folha seguiu critérios econômicos baseados em dados de circulação e publicidade."

Tais números e informações adicionais foram fornecidos mais tarde pelo jornal O Estado de S. Paulo. O Agora tinha 32.517 assinantes em outubro, 36% menos do que o registrado há dois anos, segundo o IVC, conforme escreveu o concorrente. Foi criado em 1999 para substituir a Folha da Tarde, que circulava desde 1924, prossegue o texto. "Portanto, o fim da publicação encerra uma história que se iniciou há quase um século", conclui, em tom adequado à decisão, mas impreciso em relação a datas —a Folha da Tarde, na verdade, circulou de 1949 a 1959 e de 1967 a 1999.

É o fim também de uma longa trajetória de periódicos populares em São Paulo. Notícias Populares, Jornal da Tarde, Diário Popular, depois Diário de São Paulo, Folha da Tarde, depois Agora. Não seria impróprio incluir na lista o esportivo Lance!. Quem passou por uma banca nas últimas décadas certamente esticou o olho para alguma manchete curiosa, capa criativa, provocações futebolísticas e corpos femininos. Os tempos são outros e certas coisas não cabem mais.

Eram títulos que concorriam, mas em pistas diferentes. Eram alternativas, sérias ou não, aos jornalões da cidade, Folha e Estadão. Caíram, cada uma a seu turno, por razões diferentes, mas principalmente pela falta de faturamento ou investimento, a depender de quem mede a água no copo.

O Agora acaba mais longevo, mas não exatamente por sua renovação no fim dos anos 1990. Seu grande mérito foi ter envelhecido junto com seu público, orientando os esforços para o assunto que mais importava e vendia exemplares: aposentadoria. Nos últimos anos, era muito raro uma manchete do periódico não versar sobre o assunto, seja em forma de notícia, seja em forma de serviço. Opção monótona apenas para quem não vive em um país de discussão permanente sobre Previdência e políticas econômicas que flutuam. Se não entendeu, pergunte a qualquer um com mais de 50 anos.

Ilustração Carvall da coluna Ombudsman publicada na folha no dia 28 de novembro. Nela um diagrama de quadrado e retângulos, alguns com as cores vermelho azul e verde, passa por um rolo compressor e sai em branco.
Carvall

O Agora, no entanto, acaba antes de seu público. A explicação fácil é a internet. O modelo de jornal impresso não se sustenta, e o desta Folha, se a leitura ainda é feita com o papel sujando as mãos, também parece com os dias contados. É um fenômeno mundial, dramático em países de grande população leitora. Impressiona a quantidade de pequenos diários, alguns centenários, que fecham nos EUA, provocando os chamados desertos de notícias. As consequências para essas regiões são graves, indo de um menor controle da atuação dos agentes públicos locais à maior disseminação de notícias falsas. Estudos sobre o problema vêm sendo realizados. Até redes sociais se mostram preocupadas, bancando projetos de mitigação.

Algo parecido ocorre em âmbito regional no Brasil. Muitos jornais do interior já encerraram atividades. Transformar-se em site não é opção para muitos. Com o fim do Agora, São Paulo vê alargada sua faixa de semiárido, que inclui algumas cercanias da Folha.

Além de se valer da expertise em aposentadoria e economia popular da Redação contígua, a Folha absorvia do parceiro diversos tipos de conteúdo, de prosaicos títulos sobre concursos da Mega Sena a relevante noticiário policial, esportivo e de política local, fruto de sinergia ou de falta de recursos, mais uma vez a depender de quem olha para o copo. O jornal precisará de disciplina para manter as rodas girando, pelo menos as que trazem audiência para seu site.

Nada disso seria um problema se a transição do impresso para o eletrônico fosse um caminho tranquilo, uma mudança de cultura a ser apreendida pela Redação e disposta em etapas para o público. Só que ela está mais para revolução, das sangrentas, com desafios diferentes a cada esquina. Conteúdo brota nas telas a partir de gente sem qualificação jornalística assim como de pessoal bem preparado e a soldo de agências de publicidade, empresas, bancos de investimentos e outros. Redes sociais mudam as regras do jogo constantemente. Departamentos de TI, fundamentais nesses novos ambientes, consomem orçamentos que já são limitados. A lista só faz crescer.

Nessa grande confusão, uma das poucas vantagens de jornais como a Folha é ter uma marca reconhecida, baseada em um modo profissional de fazer jornalismo. O risco é ver tudo isso se perder junto com o obrigatório descarte do supérfluo, como um dia o impresso será tratado. Ampliando a metáfora aquática, quando jogarmos o bebê fora junto com a água da bacia. Não volta.

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste texto não informava que a Folha da Tarde, na verdade, circulou de 1949 a 1959 e de 1967 a 1999, não a partir de 1924, como descrito por reportagem citada na coluna.

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