José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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Longe de outros Brasis

Folha fala das Cartas, enquanto focos do bolsonarismo reclamam outro país

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Leitor é de Boa Vista e escreveu ao ombudsman para reclamar do editorial "Espinheiro Amazônico". A Folha criticou o asfaltamento da BR-319, que liga Porto Velho a Manaus, criada nos 1970 para logo se tornar intransitável, segundo sua breve mas esclarecedora descrição. "Como alternativa foi criado um transporte de balsas, descendo o rio Madeira e subindo o Amazonas, até a cidade de Manaus. Tal trajeto demora e onera bastante o frete das mercadorias."

Ele não duvida das denúncias veiculadas pelo jornal, de falta de licenciamento ambiental, da grande chance de a região ser invadida por grileiros, da falência dos órgãos de controle, do Incra, do Ibama, dos entes estaduais e dos que deveriam cuidar dos indígenas, mais do que sublinhada no artigo da Folha. "Pode-se ver na mídia, problemas em toda a Amazônia."

"A matéria jornalística", no entanto, "reveste-se de cunho político, agressivo ao governo federal, e esquece das populações amazônicas, que dependem de uma comunicação com o restante do país, não só para o suprimento de víveres, como para questões pessoais e de saúde". Em outras palavras, o leitor reclamou de uma Folha opinando à distância, de maneira literal e figurada.

Com pouco destaque, o jornal noticiou na quarta-feira (10), um dia antes da leitura das Cartas em defesa da democracia nas arcadas da São Francisco, que a Confederação Nacional da Agricultura sinalizou voto em Jair Bolsonaro durante evento promovido pela Presidência. O título de Política preferiu a cantilena golpista do presidente: "Bolsonaro ataca TSE e faz novas ameaças sem foco: 'Que isso custe a minha vida'". Já o Vaivém das Commodities foi direto ao ponto, ao que estava em jogo no evento: "CNA aponta metas para presidenciáveis, mas já opta por Bolsonaro".

A coluna de Mauro Zafalon, especialista em agronegócio, descreve a ambição da confederação, que traçou diretrizes não apenas para o setor, mas também para a política econômica e social de um país sem espaço "para o retorno de um candidato que foi processado e preso como ladrão". Apesar de toda essa carga, o texto mereceu chamada modesta na Home Page do jornal e uma nota breve, em pé de página, no impresso de quinta-feira (11).

Ilustração mostra a letra Efe, do logo da Folha, em tons de azul e com óculos escuros com lentes redondas
Carvall

Nesse dia e na verdade por toda a última semana, a prioridade da Folha foi a leitura dos manifestos organizados pela sociedade civil. Com uma série de reportagens, entrevistas e um caderno especial no impresso, estava claramente mais atenta ao tamanho e à importância do evento na Faculdade de Direito da USP.

Desse Brasil diverso, com voz para mulheres, negros e outros tantos movimentos sociais, onde "capital e trabalho se unem para defender o Estado Democrático de Direito", a Folha estava próxima, tinha peso, nadava de braçada am águas conhecidas. Ao fim do dia, era a própria opinião do jornal que ocupava a manchete de seu site, com o editorial "As cartas e a Carta", sobre os movimentos cívicos em todo o país que "deixaram claro ao pretendente a autocrata no Palácio do Planalto os limites inegociáveis da democracia brasileira".

Seria bom apurar o que o pessoal daqueles outros Brasis, os da Amazônia e do Centro-Oeste, para ficar nos exemplos citados, acharam de tamanha movimentação. Talvez o leitor de Boa Vista e o representante do agronegócio tenham visto São Paulo do jeito que a Folha às vezes percebe o país que habitam: distante.

Versos satânicos

Outro universo desafiador para a Folha nestas eleições é o evangélico, ainda que faça nessa área cobertura superior às dos principais concorrentes. Michelle Bolsonaro foi a protagonista da semana na campanha à reeleição do marido, com apenas cinco minutos de microfone em uma igreja batista. No último domingo (7), em Belo Horizonte, lembrou de um "Planalto consagrado a demônios" e, no dia seguinte, repostou vídeo em que Lula participa de uma cerimônia de candomblé em Salvador; teve tempo ainda para apanhar, nas redes sociais, ao aparecer em foto ao lado da atual mulher de Guilherme de Pádua, o assassino de Daniella Perez que virou pastor na mesma denominação mineira.

Seria fácil por toda essa salada no jornalismo de celebridades, como a Folha chegou a fazer com parte do noticiário. Uma visita ao Observatório Evangélico, porém, altera bem essa percepção. No site, que tem entre seus curadores o antropólogo e colunista da Folha Juliano Spyer, Michelle se torna "o culto em si", em dimensão nunca vista na política ou nos templos neopentecostais do país. Para um dos analistas, "a linguagem política da disputa de poder institucional, dessa forma, deu lugar à religiosa. Nela, há a batalha espiritual do bem contra o mal, não uma eleição."

Entre a salvação e a democracia, qual seria a opção dessa turma? A Folha parece muito longe desse Brasil também.

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