José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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É a democracia, Folha

Jornal perde o prumo ao cobrar Lula e normalizar Bolsonaro em editorial

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A Folha adernou feio no último domingo (9), quando publicou o editorial "É a economia, Lula", com amplo destaque no site do jornal e na Primeira Página do impresso. E adernou em um momento de mar revolto e tempestade que assusta os leitores e o país.

É óbvio que a caixa de entrada do ombudsman entupiu: "Novamente apoiando uma ditadura"; "Tapa na cara da democracia"; "O que falta acontecer? Um cabo e um soldado?"; "O pluralismo serve para algum interesse disfarçado"; "A Folha NUNCA EXIGIU que Paulo Guedes ou Bolsonaro explicassem o abandono de suas propostas ditas liberais"; "Que diferença ler a opinião da The Economist"; "Vou me igualar ao Bolsonaro: que merda de editorial"; "Afinal, a Folha quer democracia ou barbárie?"; "A desinformação chegou ao maior jornal do país"; "Editorial distópico"; "Onde a Folha esteve nos últimos quatro anos?"; "Quantos ultimatos Bolsonaro não merecia ouvir?"; "É a democracia, Folha".

A questão não é cobrar uma política econômica de Luiz Inácio Lula da Silva. Na verdade, reiterar a cobrança que o jornal já havia feito no fim de semana antes do primeiro turno.

O problema, se é que é preciso listar, poderia estar na forma do editorial, o tom agressivo a partir do título, onde Lula é trocadilho para estúpido. Poderia estar na frágil argumentação econômica, quando se diz que a inflação começa a ser contida, mas não que a queda ocorre após desoneração forçada e irresponsável, intervenção na Petrobras, teto solar panorâmico de gastos e uma conta salgada para 2023 contratada por Paulo Guedes para reeleger seu presidente. O problema poderia estar também na argumentação política, que menospreza o despido apoio dos formuladores do Plano Real, entre os de vários outros economistas.

O problema de verdade está em emparedar Lula, com grande visibilidade, e fingir que o céu está azul, que o país vive a festa da democracia. Imaginar que as reiteradas demonstrações de incivilidade e autoritarismo de Jair Bolsonaro são rompantes impensados; que o difícil, como disse a mulher "ajudadora", é ele falar palavrão. Considerar que propor e chantagear o STF com a venezuelização do tribunal é discussão legítima entre Poderes. Esperar que a ofensiva contra as pesquisas eleitorais voltará candidamente aos escaninhos do Congresso em caso de derrota do incumbente.

Ilustração de Carvall mostra, num mar de traços azuis, a silhueta de um navio carregado, tombando para a direita
Carvall

Todos esses itens contêm indignação de sobra para muitos editoriais de Primeira Página, mas o jornal preferiu até aqui sublinhar a "soberba" e o "acinte" do não detalhamento de uma política econômica petista. Não são tempos normais.

Lula pode e deve ser cobrado, por óbvio, mas nunca mais do que Bolsonaro. É o presidente que está em débito com a democracia e promete aumentar o rombo institucional se perder ou se ganhar nas urnas no segundo turno. Normalizar o naufrágio não é opção.

Equilíbrio

The Washington Post publicou na última quarta-feira (12) interessante texto de sua ex-colunista de mídia Margaret Sullivan. Na verdade, uma prévia de seu livro de memórias, em que prega uma nova abordagem jornalística para o caso de Donald Trump concorrer mais uma vez à Presidência dos EUA. As ferramentas tradicionais da imprensa, que tem o equilíbrio como premissa, não são mais suficientes na cobertura política atual, escreve ela, pois existe um lado que trabalha contra a democracia. Em vez de perder tempo tentando acomodar uma assimetria intransponível, a saída é procurar outro ponto de equilíbrio a partir do interesse público. Qualquer semelhança com o que ocorre no Brasil ou com a primeira parte desta coluna não é mera coincidência.

Outro ponto que Sullivan vê como fundamental neste novo ambiente jornalístico é não economizar na identificação dos políticos. Se antes até havia algum constrangimento, hoje em dia muitos republicanos defendem publicamente que Joe Biden não venceu as eleições. Estes devem ser sempre identificados como negacionistas, pois a democracia pressupõe o respeito aos resultados. Quem consome conteúdo precisa saber com que tipo de gente está lidando.

O transporte da ideia para a realidade brasileira ainda parece prematuro, a despeito da tentativa de golpe ser uma grande nuvem escura no horizonte, daquelas que não permitem adiar medidas de prevenção. Bolsonarismo é ativo eleitoral, como demonstraram Romeu Zema e Ronaldo Caiado, entre outros, nos últimos dias.

Sullivan reforça também a necessidade de a mídia não se limitar à reprodução do que é dito. Contextualização é fundamental para a notícia, conceito que se choca com as personagens da ficção barata em que vivemos. Vide a entrevista da Folha com Damares Alves e suas evasivas para justificar as graves acusações que fez sobre violência infantil com um leviano "ouvi dizer".

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