José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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Zero fica à esquerda na Folha

Jornal situa ideologicamente partidos, mas não o presidente extremista

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"O que faz um partido ser de direita ou esquerda: Folha cria métrica que posiciona legendas", afirma o título do jornal publicado na última semana. A leitura da reportagem mostra um intricado sistema de sete parâmetros, um ranking e uma representação gráfica em formato de flor.

Quanto mais próximo do zero, mais à esquerda; do cem, mais à direita. Graficamente, quanto menor for a pétala da flor, mais à esquerda; quanto maior, mais à direita. Tudo isso para dizer que o PCO é de esquerda, e o Novo, de direita. Ou que a inflorescência de um é menor que a do outro.

O ombudsman deixa para os leitores a análise semiótica sobre o zero ter sido atribuído à esquerda, e a flor grande, à direita, mas reproduz o questionamento de um deles: qual seria o propósito de tamanho esforço em meio a uma das mais difíceis e violentas campanhas eleitorais da história do país? Situar as 32 legendas registradas no TSE, tarefa nada fácil, dadas as contradições da política nacional, diz o texto. Será que o eleitor precisava desse aparato para saber que o PSD de Gilberto Kassab é o partido mais ao centro? Será que alguém vai decidir seu voto pela latitude e pela longitude ideológica de um partido?

Há quem faça isso, evidentemente, mas o que poderia ser entendido como uma suposta maturidade política é, na maior parte das vezes, apenas a procura desenfreada de rótulos por gente que rosna em redes sociais; que brada valores e direitos, interpreta mal conceitos e se aferra a sentimentos hostis.

Um leitor chegou a pedir ao jornal que não utilize mais "esquerdista", devido à carga pejorativa imputada ao termo pelo discurso reacionário.

ilustração mostra três marcadores de posição, como os usados no Google Maps, com as cores vermelho, roxo e azul. Dentro de cada uma delas está um emoji com os olhos para cima
Carvall

A questão, enfim, é se a Folha montou um produto para ajudar seus assinantes a votar ou apenas entrou na onda maniqueísta que empesteia o debate público. Se esse é um caminho inevitável, talvez seja o caso de desenvolver um modelo que qualifique também os políticos, em sua maioria avessos à ordem partidária, este sim um problema grave. Talvez o algoritmo faça a Folha descobrir que o presidente Jair Bolsonaro habita a extrema direita. Com armas no lugar de flores nas mãos.

P.S.: Quem estiver disposto a mais uma análise semiótica pode brincar com o Match Eleitoral, a ferramenta interativa da Folha que compara respostas dos usuários com as de candidatos a deputado federal e a senador. Das 20 questões, 14 partem de assertivas conservadoras e liberais.

Keep calm


Após a pane generalizada do 7 de Setembro, a mídia nacional mudou radicalmente de atitude na última semana ao delimitar o noticiário da viagem internacional de Jair Bolsonaro ao que realmente foi, um ato de campanha. O Jornal Nacional noticiou seu discurso na ONU apenas na seção "dia dos candidatos'', e os grandes diários, exceção feita a O Globo, evitaram a imagem em suas Primeiras Páginas. Ficou comprovado que sempre há alternativas: cobrir o candidato, submetido à justa divisão de espaço e ao equilíbrio da cobertura eleitoral, e cobrir o chefe de Estado, de acordo com a relevância de seus atos. No caso, irrelevância.

Terceira Guerra

Quando todos vão para um lado, quem vai para outro ou está muito certo ou muito errado. A segunda hipótese, por óbvio, é a mais provável. Na quarta-feira (21), o noticiário internacional dominava os sites do planeta, com a fala de Vladimir Putin sobre usar arsenal nuclear e convocar 300 mil reservistas contra a Ucrânia. A tarde brasileira, porém, também produzia notícia, com a promulgação sem vetos do projeto de lei sobre o rol taxativo da ANS e a decisão da Selic. Importante, mas nada que fizesse frente à ameaça atômica.

A Folha não entendeu assim e tirou Putin de sua manchete diante da primeira novidade. O ombudsman observou na crítica interna o que via como incongruência. Afinal, pela primeira vez em uma geração um enunciado envolvia guerra atômica. O jornal sustentou a escolha até o impresso do dia seguinte, quando os juros do BC foram alçados ao título principal e o autocrata russo ficou limitado a uma chamada abaixo da dobra. Na comparação com os principais veículos do mundo, a Folha restou só.

A teimosia do jornal faz lembrar um episódio de Redação. No fim dos anos 1990, na véspera de uma daquelas datas em que o mundo supostamente acabaria de acordo com Nostradamus, a reunião de pauta pela manhã se encerrava sem que o assunto tivesse sido abordado. Um gaiato, então, indagou se o mundo não ia acabar no dia seguinte. Pressionada pelos colegas, a pauteira de Cotidiano, escoadouro natural de coisas esquisitas no jornal, soltou um "não pensamos nisso". O secretário de Redação não aguentou e disparou: "O mundo vai acabar, e Cotidiano não está preparado".

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