José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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O país precisa de bons gestos

Mídia deveria se afastar da polarização, mas primeiros sinais não são bons

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Silvio Almeida escreveu que esta eleição é "particularmente existencial''. Foi um dos muitos colunistas da Folha que não pouparam tinta nos últimos dias para sublinhar a grande responsabilidade do país neste domingo (2). É momento de apertar o botão nas urnas.

Há outra existência particularmente em jogo neste pleito violento e polarizado: a da mídia, fundamental para a democracia e maltratada como ela por uma fila que começa com o presidente atual, mas também por ação própria.

É razoável a chance de hoje ou em quatro semanas Jair Bolsonaro ter um segundo mandato recusado. Era papel da imprensa desnudá-lo. Sua incompetência e falta de humanidade foram flagrantes na pandemia, para ficar apenas em uma das intoleráveis atitudes que adotou nos últimos quatros anos. Sairá do poder, se os eleitores assim desejarem, pelo voto, o instrumento que tanto desqualifica. A escolha majoritária, no entanto, não dará fim ao bolsonarismo. A depender do comportamento dos diversos setores da sociedade, deve em grande medida realimentá-lo.

Bolsonaro dificilmente vai reconhecer a derrota. Repetirá Aécio Neves, que não concedeu a vitória a Dilma Rousseff em 2014, para usar um anglicismo. Donald Trump também custou a largar o osso nos EUA em 2020 e deu no que deu. Derrotados no Chile e na Colômbia neste ano demonstraram urbanidade. Gestos fazem muita diferença. É de se imaginar que serão raros neste país nos próximos meses. A mídia poderia fazer os seus.

Em entrevista ao Valor, especialista em Venezuela afirmou que a polarização política transbordou para o tecido social também no Brasil e que o risco dessa trajetória é a desmoralização da democracia. O problema vem de longe e recrudesce agora ao som de tiros e pauladas. Nos últimos tempos, estava fácil pôr tudo isso na conta do presidente; Bolsonaro praticamente empurrou o jornalismo para o outro lado do campo. Sem o autoritário, como será?

Ilustração de Carvall mostra o contorno do mapa do Brasil, com um grande botão vermelho escrito "reset" onde se localiza a região sudeste
Folhapress

Os primeiros sinais não são promissores. Páginas de opinião reagiram à medida que o favoritismo de Luiz Inácio Lula da Silva se consolidou. O Estado de S.Paulo, na semana passada, em apenas um dia não citou o ex-presidente em seus editoriais. Em três deles, estampou seu nome no título. A Folha se preocupou bem mais com o resto do mundo, que desmoronava em notícias, mas não se furtou a dar ampla visibilidade ao editorial "Tiro no pé", no último fim de semana, em que cobrou do petista definições sobre política econômica. Esforçou-se também na divulgação do artigo em que Alexandre Schwartsman, "Em louvor do voto inútil", rebaixou Lula ao nível de Bolsonaro. Quem pregou voto útil não recebeu tal tratamento. Oferta no jornal não faltou.

Lula não merece condescendência por ser a opção a Bolsonaro, por óbvio, mas a discussão aqui, antes de ser sobre lados, é acerca de disposição. A imprensa foi legitimada a combater o atual presidente por seus atos e tem longo histórico de animosidade com o ex, que sempre responde com a antiga ladainha de estabelecer algum controle sobre a mídia. Basta juntar o presente com o passado para ver que o futuro à polarização pertence.

Os efeitos desse processo são deletérios. A imprensa contribui com o acirramento de opiniões ao se entrincheirar. Isso quando a própria trincheira não vira ganha-pão, monetizada, não importa se via radicalismos. O país precisa se reconstruir em diversas frentes, consensos serão necessários. Sem estes, iremos para outros quatro anos de pancadaria.

Seria importante a mídia séria refletir sobre sua responsabilidade na condução do debate público. A exemplo do que fez no consórcio de veículos de imprensa diante da absurda desinformação oficial na pandemia. Sobram oportunidades. Uma campanha maciça pela normalização da vacinação infantil, um pool de jornalistas na Amazônia, um relacionamento mais maduro entre imprensa e governo.

O país precisa de todos os gestos possíveis. Apertar o botão é só o primeiro deles.

'Oi, Folha...'

Felipe Neto resolveu comentar no Twitter notícia da Folha sobre seu pedido de perdão a Dilma Rousseff "por ter propagado o antipetismo, o discurso golpista e o ódio à esquerda". Segundo o youtuber, o jornal deveria ter lembrado que as desculpas eram por seu apoio ao "GOLPE", assim escrito, em maiúsculas. E que o jornal "teve participação decisiva" na defesa do "GOLPE" à época do impeachment da ex-presidente. "Acho que vocês também devem um pedido de perdão, assim como outros veículos e grandes emissoras."

A Folha não respondeu ao influenciador, que tem 16 milhões de seguidores no Instagram e é cabo eleitoral master de Lula. Deveria ao menos ter registrado a crítica, mas recusou o gesto ao leitor. Leitores precisam de gestos também.

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