José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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Folha é acusada de não distinguir conteúdo patrocinado do produto editorial

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Morreu na última semana João Carlos Cauduro, arquiteto e designer responsável pela programação visual do metrô paulistano e dos totens da avenida Paulista, entre muitos outros projetos. Símbolos e equipamentos que estão no imaginário afetivo da cidade, mas que passam batido por terem sido concebidos para funcionar de modo discreto e eficiente, não para chamar a atenção.

Conceito de uma arquitetura que interfere e organiza o ambiente, o design total de Cauduro e Ludovico Martino, seu sócio, morto em 2011, resta como uma camada geológica de sucesso que se empilha entre outras tantas, a maioria medíocre, na maior cidade da América Latina. Um sinal esparso de como ela foi um dia ou poderia ter sido. São Paulo é um amontoado dessas tentativas, poucas em busca de soluções.

A capital precisa de muita ruminação. Jaime Lerner gastava a manhã pensando apenas em Curitiba, só despachava à tarde. São Paulo, no entanto, condiciona seus prefeitos ao curto prazo, todos querendo deixar marcas de olho no próximo pleito. Canhão eleitoral, alça governantes a voos maiores, dizem analistas. A ideia, então, é chamar os holofotes para si. Design total soa como dinamarquês nesse cenário.

O prefeito de turno, Ricardo Nunes (MDB), não foge à regra, basta notar a quantidade de propaganda de sua gestão no ar. Parte dela é publicada na Folha em formato de conteúdo patrocinado ou "branded content", como se diz no mercado de mídia. Uma equipe do departamento comercial, sem laços com a Redação, produz artigos, vídeos e até eventos encomendados por clientes.

Publicar material bancado por terceiros é uma das saídas encontradas pela imprensa diante da crise imposta pelo impacto da internet em seu modelo de negócios. Grosso modo, há dois tipos: conteúdo que tem o apoio de patrocinadores, mas sem implicação editorial, ou seja, cabe apenas à Redação decidir o que é e como é publicado (Seminários e algumas coberturas de Ambiente são exemplos na Folha); conteúdo ditado pelos patrocinadores, em que a Redação não participa (identificado como Estúdio Folha no jornal).

Na ilustração vemos um homem  vestindo uma espécie de colete no qual são colocados anúncios: o conhecido homem-sanduíche. Neste anúncio vemos uma página de jornal. O fundo é texturizado na cor marrom.
Folhapress

Por transparência, é preciso bem distinguir conteúdo patrocinado do editorial. Concepção visual diferente e tarjas são ferramentas usuais para sinalizar a natureza do produto publicado. Assim funciona há anos na Folha e em outros jornais, no Brasil e no mundo.

Há pouco mais de um mês, no entanto, um leitor acessou uma página custeada pela prefeitura acreditando estar lendo uma reportagem regular. Ao perceber que se tratava de propaganda, contatou o ombudsman. Em crítica interna, alertei a Redação de que não havia indicação clara sobre ser um produto patrocinado.

A questão voltou à baila na quarta-feira (23). O Intercept publicou que o Estúdio Folha recebeu R$ 2,3 milhões da agência de publicidade contratada pela administração municipal. O texto faz inferências, mas não apresenta nada de concreto além, é claro, da falta de um marcador mais explícito de conteúdo não editorial.

É evidente que o problema está no cliente se chamar Prefeitura de São Paulo. Para muitos leitores, a Folha deveria se recusar a abrigar, ainda que em forma de anúncio, peça de promoção do prefeito candidato. Ótimo, mas aí seria preciso, por isonomia e por equilíbrio jornalístico, recusar comerciais de entes públicos em geral, governos e estatais. Ótimo em dobro, mas algum órgão da imprensa nacional tem assinantes suficientes para sustentar tamanho prurido? Jornais não andam recusando recursos, pelo contrário. Este diário, em plena pandemia, publicou anúncio de médicos defendendo tratamento alternativo à Covid. Um escândalo, do qual não cogitou recuar.

Indagada, a Secretaria de Redação reiterou a estrita separação entre departamento comercial e Redação. "O Estúdio Folha produz material publicitário que, como todo material publicitário veiculado na Folha, é editado de modo a deixar clara a sua diferença para o conteúdo noticioso. A cobertura jornalística da gestão municipal, como a de todas as instâncias de governo no país, obedece aos preceitos do Manual da Redação. Tem sido crítica, independente e apartidária e assim continuará."

Sobre a falta de um marcador mais claro para o conteúdo patrocinado, o jornal respondeu: "A avaliação sobre a apresentação de material publicitário, o que inclui o produzido pelo Estúdio Folha, é diária e feita caso a caso. Frequentemente são solicitados ajustes pela Redação para deixar patente a diferenciação em relação ao material jornalístico."

Efeito ou não dos questionamentos, as páginas da prefeitura ganharam enfim avisos na sexta-feira (25). Meio tarde.

O jornal deveria se espelhar em Cauduro. Ser eficiente é melhor do que chamar a atenção.

Modo avião

O ombudsman tira férias. A coluna volta em 1° de outubro.

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