José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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Jornalismo de declaração

Fervura de Bolsonaro sobe e desce com versões dirigidas à mídia escaldada

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Em semana lotada de notícias, a Folha virou seu objeto de trabalho algumas vezes. Escreveu que Luiz Inácio Lula da Silva estava irritado com Flávio Dino; o lançamento do PAC fora ofuscado por "ruidosa operação da Polícia Federal". Com meia hora de reportagem no ar, Lula foi às redes sociais para dizer que não estava irritado com o ministro e que contaria isso à Folha, caso tivesse sido procurado. O jornal registrou o pito, mas não esclareceu se havia tentado obter um outro lado com o Planalto.

Na mesma quarta-feira (16), a última pesquisa Quaest mostrava Lula com aprovação recorde de 60% em quase todos os sites. Na Folha, 42%. Rankings diferentes: o presidente é aprovado por 60%, seu governo, por 42%. O jornal deu o número superlativo, mas no nono parágrafo do texto. A seleção rendeu críticas e insinuações.

A matéria guarda coerência com o relato feito em junho sobre o levantamento, que abria pelo mesmo dado, porém com título mais preciso: "Lula tem governo aprovado por 37%...". A diferença foi notada pelo ombudsman em crítica interna. A Redação não se sensibilizou.

Na quinta-feira (17), mais paulada, o impresso expôs em Erramos que não era da atriz Léa Garcia a imagem da chamada sobre sua morte na Primeira Página. Cresce a lista de constrangimentos do jornal com obituários de mulheres.

Um refresco à Folha, no entanto, surgiu no horizonte quando o hacker começou a soltar fogo na CPMI dos atos golpistas. Vislumbrando uma nova inquisição ao estilo Lava Jato, Glenn Greenwald foi ao ex-Twitter lembrar que trabalhou com a Folha em 2019 na Vaza Jato e de uma autocrítica feita pela parceira à época.

A ilustração de Carvall mostra uma grande mão, à direita na imagem, jogando água numa frigideira quente. Um pequenino ex-presidente Bolsonaro está sentado na borda desta frigideira olhando com cara triste para a grande mão. O fundo é branco.
Folhapress

Ilustrou sua manifestação com trechos de uma coluna de minha antecessora Flavia Lima. Em encontro com ex-ombudsmans, a chefia do jornal, à luz dos vazamentos, admitiu a necessidade de reexaminar a atuação da Folha na cobertura da operação. "Não tratar acusações sem provas como verdadeiras. Muitos na mídia estão ignorando isso hoje (com motivos óbvios)", escreveu Greenwald ao trazer a reflexão para os dias atuais. Em outra postagem, sublinhou um título que dizia que Walter Delgatti não tinha provas sobre o que falava: "A única forma jornalisticamente responsável de descrever os acontecimentos". O alerta não era só para a Folha.

Muitos leitores ainda esperam uma autocrítica bem mais enfática sobre o jornalismo nos tempos de Curitiba, especialmente após Jair Bolsonaro surgir entre as consequências.

Não obstante, será interessante observar como esse público e a mídia irão se comportar durante a nova leva de operações matutinas, rábulas e diversionismo. Até que ponto será missão da imprensa corrigir, compensar, repetir, sublimar, ignorar erros passados. A escolha do verbo diz bastante.

Ater-se ao que foi dito é perigoso. O advogado do ajudante de ordens, escreveu Brasília Hoje, a nova newsletter da Folha, "disse e se desdisse algumas vezes sobre o caso das joias". Revelou inclusive ter conversado com o colega defensor de Bolsonaro, que minimizou o episódio como algo protocolar, tal qual capitães a trocar flâmulas no início do jogo.

Ao sabor de manchetes provocadas, a fervura da República subiu e desceu, assim como a do ex-presidente, igualmente prolixo. Ao Estado de S.Paulo, falas de boca cheia, média e pão com manteiga, foto provocativa na joalheria. Teses repetidas e argumentos calculados. Como não publicar?

Outro lado, ponderações, contradições, o que fez tanta falta lá atrás corre o risco de ser entendido como concessão agora. Assim como as reportagens, muitas pertinentes, sobre o tanto que o Judiciário exacerba. Só agora? E antes?

Não é tarefa fácil um veículo de imprensa abster-se de escolher os passageiros. Greenwald é exemplo em sua inflexível defesa da liberdade de expressão, não importando o cheiro.

Jornalismo não é ligar câmeras e microfones. É sobre quando ligar e desligar também.

Jornalismo de fofoca

Antes do hacker e do ajudante de ordens, a pauta era Larissa Manoela se divorciando dos genitores. Ao Fantástico, a atriz, cantora e marca de celular desatou uma grande discussão sobre como pais e mães administram a fortuna de seus filhos, de súbito uma nova mazela nacional. Em análise dura, Mauricio Stycer descreveu o programa como o "triunfo da fofoca", horas antes deste diário publicar entrevista com a mãe de Larissa, e a Folha se entregar ao chavão "quebra o silêncio" para sublinhar que se tratava de uma primeira vez. Dias antes, título do F5 usava a mesma expressão para qualificar a decisão de Larissa de criticar os pais. Criatividade ou assunto, algo faz falta.

E aqui também advogado fala. Os pais estão com o "coração destroçado", mas "nunca foram, e jamais irão à imprensa para dizer uma palavra contra a filha". Foram só à Folha.

Não faria mal o jornal preservar um pouco de silêncio.

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