José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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O profundo necessário

Diante de jornalismo em crise, Folha não pode se acostumar às águas rasas

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Mais lidas da Folha na noite de sexta-feira (19): "BBB24: Direção do reality fica aliviada com desistência de Vanessa Lopes"; "Mãe e filha morrem afogadas durante temporal no interior de SP"; "BBB24: Vanessa Lopes desiste do reality"; "BBB24: Entenda por que Vanessa Lopes desistiu do programa"; "Vídeo mostra homem em surto antes de ser sugado por turbina de avião nos EUA".

Exceção feita à tragédia de Limeira, mais uma provocada pelo despreparo do país diante da crise climática, lado perverso do negacionismo que consumirá outras muitas vidas enquanto perdurar, o cardápio da lista não é exatamente o que se espera de um jornal como a Folha. Porém, é o que se apresenta, talvez pelo simples fato de ser do interesse de grande parte de seu público. São as mais lidas, afinal.

Nada disso é novo. A procura pelo fait divers é antiga como o jornalismo, e a única diferença para o atual estado de coisas é que antes não havia uma máquina de contar cliques. Existiam métodos para aferir apelos, mas em ritmo e sob gravidade de outro planeta.

O confronto com essa realidade instantânea de leitura tem impacto considerável nas Redações. Muitas se submetem aos números, a crise no setor é flagrante e mundial. Quem está melhor posicionado, como este jornal e seus principais concorrentes, busca um balanço entre a audiência, fundamental para as contas, por óbvio, e o jornalismo de qualidade, único meio de contrastar o produto na terra plana da internet. Essa é a teoria. O dia a dia revela sinais, uns sutis outros eloquentes, de certa contaminação no processo.

Alguns exemplos da última semana, esparsos. "Litoral de São Paulo registra uma morte por afogamento por dia em 2024", diz título da Folha, que considerou a média "alarmante" no lide da reportagem. Adjetivos funcionam melhor quando escorados por informação, como, por exemplo, a média do verão anterior, que só aparece em uma segunda matéria sobre o tema, dias mais tarde.

Uma grande morsa de mesa azul aperta um pequeno cérebro humano. O fundo é branco
Folhapress

O jornal levou um tempo também para noticiar que mudanças na disseminação em massa de conteúdo no WhatsApp são mau presságio para este ano eleitoral, segundo especialistas. Em publicação anterior, de título laudatório ("WhatsApp incrementa canais de envio de mensagem em massa com áudio e enquete"), a ponderação não existe. Um único parágrafo lembra que a alteração fora adiada por recomendação do MPF antes do conturbado pleito de 2022.

Apurar demora, e são poucos os veículos que atualmente se dão ao luxo de segurar uma história para publicá-la com mais conteúdo depois. A maioria fatia o noticiário, premida pelo relógio ou pelos concorrentes, como nos casos listados. Publique-se o fato, e sua digestão quando der.

Ocorre também de a parte ser tomada como o todo. Em "Aliado de Bolsonaro e embates com STF, Carlos e Felipe Neto; quem é Carlos Jordy, alvo da PF", o enunciado promete um perfil do líder da oposição na Câmara, o acossado da vez pela Operação Lesa Pátria. A reportagem, no entanto, se limita à polêmica atuação do deputado nas redes sociais nos últimos anos. Diz muito sobre ele e talvez seja o que muitos entendam como perfil atualmente, mas ajudaria bastante na compreensão do personagem saber de onde saiu, com que plataforma se elegeu, o que fazia antes da carreira pública, detalhes de sua vida pessoal, se pertinentes. O núcleo duro de leitores da Folha, é razoável imaginar, tem mais familiaridade com outro tipo de político. O "quem é" publicado pelo jornal não traz nem a idade.

Talvez a dinâmica jornalística contemporânea só permita profundidade de verdade nos assuntos selecionados, aqueles que o próprio jornal se desafia a esgotar. É o pressuposto das séries noticiosas, formato que, afirma a Folha em reportagem institucional, ajudou a consolidar sua liderança em assinaturas pagas em 2023, de acordo com os novos critérios do IVC, órgão que audita a circulação de jornais.

O último investimento do tipo começou a ser publicado também na semana passada, "Bets no Brasil", uma radiografia do mercado de apostas esportivas online, um problema social gigantesco e silencioso, que boa parte do país finge não existir, mídia incluída. Qualquer semelhança com a desfaçatez diante da crise climática não é mera coincidência.

Pois a nova série da Folha começou com bons títulos e resultados reveladores de uma pesquisa Datafolha. Jovens jogam muito, jovens pobres jogam o que não têm, e a recente regulação do setor votada pelo Congresso saiu torta, como de praxe. Quem ler os textos já publicados, contudo, notará uma redundância incômoda de informações, como se os leitores fossem incapazes de superar os parágrafos iniciais.

Ainda que o índice de mais lidas insinue o contrário, a Folha precisa acreditar que seu público tem fôlego para mergulhos profundos. Até porque no raso não se pula de cabeça.

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