Engenheiro e jornalista, é secretário-assistente de Redação da Folha, onde trabalha desde 1992
A valente Chapecoense merecia um país melhor
Paulo Whitaker/Reuters | ||
Torcedores da Chapecoense fazem homenagem às vítimas na Arena Condá, em Chapecó (SC) |
SÃO PAULO - Faz sol e a imensa Praça do Mercado de Delft abriga centenas de turistas espalhados com calma por restaurantes, lojas e a Igreja Nova, que é do século 16. A pequena cidade em quase nada se parece com a retratada por Johannes Vermeer em "A Vista de Delft", quadro de precisão fotográfica e detalhes que beiram o absurdo, alojado a quilômetros dali, em um museu em Haia.
Antes das quatro da tarde, o clima de tranquilidade começa a ser substituído por uma sensação estranha. Aos poucos os presentes se dão conta de que algo está prestes a acontecer. As conversas cessam, os olhares baixam, todos param. A gravidade vem dos sinos, que dobram e dobram e se tornam o único ruído possível. Até o instante em que também param.
É julho de 2014, e a Holanda presta homenagem aos mortos do voo MH 17, aquele alvejado estupidamente por míssil disparado de uma Ucrânia convulsa. Participo por acaso de minutos de silêncio profundos e difíceis de esquecer.
Novembro de 2016, a queda do voo da Chapecoense e a morte de atletas, jornalistas e tripulantes consternam o país e o mundo. Penso por um momento se o Brasil é capaz de ficar inteiro em silêncio por um único minuto e por uma única razão. Logo desisto. Para fazer esse tipo de coisa é preciso que milhões se entendam parte de algo maior, de uma nação. Somos apenas um pega pra capar desorganizado, corrupto e violento, em que nossos congressistas varam a madrugada para comprovar mais uma vez que não prestam.
Nenhuma novidade a Câmara dos Deputados, nesse arremedo de país, advogar em causa própria e transformar uma ação popular contra a corrupção, com mais de dois milhões de assinaturas, em uma caça às bruxas contra Ministério Público e magistratura. Muito menos o presidente do Senado Federal tentar acelerar a matéria à luz do dia seguinte.
Fazer tudo isso após um dia tão trágico é covardia demais. Não é possível ficar mais em silêncio.
Livraria da Folha
- Coleção "Cinema Policial" reúne quatro filmes de grandes diretores
- Sociólogo discute transformações do século 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade