Josimar Melo é crítico gastronômico, autor do 'Guia Josimar' de restaurantes, bares e serviços de SP. Escreve às quintas, a cada duas semanas.
Quando conheci Nigella Lawson, foi um desastre total
Nigella Lawson é um mito entre cozinheiros amadores. Seus programas de culinária na TV ganharam o mundo, e seus olhares gastronomicamente pornográficos (especialmente enquanto chupa o dedo lambuzado de chantilly) devem ter multiplicado a malta masculina interessada pelo fogão.
Nosso encontro teve um início turbulento, mas um final feliz. Aconteceu em Londres, na casa em que ela então morava com marido e filhos. Uma casa da elite londrina – geminada, com cinco andares, fachada clássica e quintal.
Gravávamos um episódio do programa "O Guia", que eu apresentava no canal National Geographic. Era o outono europeu de 2009. Quando toquei a campainha, nossas câmeras já estavam ligadas registrando o momento. Cumprimentei a assistente que nos recebeu, e fomos levados a uma biblioteca de sonhos: dois andares forrados de livros, uma escadinha para o mezanino, mesa de trabalho e confortáveis poltronas de leitura.
A assistente voltou avisando: Nigella está vindo. As câmeras se voltaram para a porta, à sua espera. Ela chegou sorridente, começamos as apresentações, até que ela percebeu que estava sendo duplamente filmada: pelo diretor do programa, Doca Corbett, e pelo diretor de fotografia, Rodrigo Menck.
Começou um terremoto. "Vocês estão me filmando? Como assim???!!!", disparou. Ficamos atônitos. "Não quero filmagens antes da hora combinada", ela disse, dando-nos as costas e saindo com passos duros. "E estou falando sério!".
Meses de preparo pareciam estar por um fio. E o pior: a assistente avisou que ela não poderia ter sido filmada "antes de estar pronta" e que a entrevista estava cancelada.
Nossa produtora, trêmula, telefonou para o agente da celebridade que havia intermediado nosso contato. Enquanto falava com ele, explicando que não havia sido combinada uma hora para começar as filmagens e que tínhamos chegado já gravando sem qualquer objeção da assistente, eu ficava imaginando que o cidadão poderia estar bem ali na sala ao lado, com Nigella monitorando a conversa.
Ao final, tudo foi se ajeitando. Toparam manter a entrevista. Nós apagamos as imagens que havíamos feito. E em pouco tempo voltava a diva, já pronta –penteada, maquiada, com um visual deslumbrantemente informal e o rosto impecável e radiante de seus 50 anos.
Comecei a entrevista que inicialmente estava dura, burocrática, como se poderia imaginar naquele clima. Mas pouco a pouco ela pareceu se interessar pela conversa e foi relaxando. Até concordou comigo em temas que poderiam ser delicados, como o fato de que os britânicos comem mal e que isso se deve à tradição religiosa.
Ao final, todos relaxados, encerrei a conversa avisando que, se estivéssemos no Brasil, eu daria um beijo de despedida –mas não sabia se ali seria apropriado. Ela respondeu (acredite ou não): "Eu ficarei muito grata". E nos beijamos. Pudicamente, claro.
*
Depois daquele beijo, ela olhou a equipe que há poucos minutos havia odiado e ofereceu um chá.
Eu disse que não, obrigado, mas que tinha um pedido: conhecer sua cozinha verdadeira, não aquelas de estúdio. Ela nos levou lá ("mas as câmeras ficam", exigiu) e mostrou seus cadernos de receita manuscritos, com os pratos que faz para a família de verdade.
Foi o melhor momento.
*
Na saída da gravação, a equipe estava aliviada, mas um tanto ressentida com Nigella. "Precisava mesmo daquele escândalo? Qual o problema filmá-la nos cumprimentando?", comentávamos.
A única voz discordante foi a da produtora, Renata Grynszpan –única mulher da equipe e totalmente solidária com a estrela. "Mas é claro que tinha razão! Não viram como estava o cabelo dela? Não tinha acabado de se arrumar! Isso não se faz."
Mulheres.
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