Josimar Melo

Jornalista, crítico gastronômico, curador de conteúdo e apresentador do canal de TV Sabor & Arte

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Josimar Melo

Devastado por furacões, Porto Rico recupera velhos sabores

Chefs e produtores rurais têm estimulado o consumo de ingredientes locais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Estive há pouco em Porto Rico, numa viagem que deveria ter ocorrido em setembro passado. Ela foi abortada porque o furacão Fiona chegou antes, dizimando várias partes do arquipélago.

Não foi uma novidade. Em 2017, outro furacão ainda mais poderoso, o Maria, fizera estragos terríveis. Até hoje deixa traços, inclusive no espírito dos locais.

Praia Flamenco, em Porto Rico - Divulgação

Ao chegar, antes de focar na paisagem e na culinária, minha primeira impressão conflituosa foi a de que aquilo é os Estados Unidos. Uma ilha caribenha com toda a pinta de ilha caribenha (na língua espanhola, na música, na comida), mas que ainda é parte (e de segunda classe, pois não pode votar) de uma potência estrangeira, sob o eufemismo de Estado Associado.

Ok, não é caso único na região: Curaçao é holandesa, St. Marteen também (e a outra metade, St. Martin, francesa). Mas a não ser pelo dólar corrente, em Porto Rico nada vejo de norte-americano.

E, embora não exista um forte movimento separatista, existe na cultura uma tendência importante de afirmar valores locais. Inclusive na gastronomia.

Martín Louzao, chef proprietário dos restaurantes Cocina Abierta e Oriundo, de San Juan, Porto Rico
Martín Louzao, chef proprietário dos restaurantes Cocina Abierta e Oriundo, de San Juan, Porto Rico - Gabi Pérez-Silver/Divulgação

É o caso do movimento que fui conhecer, o Mesa Redonda, capitaneado pelo chef (argentino, mas ali radicado) Martín Louzao. Historicamente, o arquipélago se abastecia principalmente de produtos próprios, mas hoje mais de 80% de seus alimentos vêm de fora (e tendo que primeiro passar pelos Estados Unidos, no continente).

Agora, seus chefs de cozinha e produtores rurais estão se voltando para estimular o consumo de ingredientes locais, dos campos e dos mares (pescados, tubérculos e raízes nativas, frutas esquecidas ou desconhecidas) –ao mesmo tempo estimulando a consciência de uma produção sustentável.

Faz parte da Mesa Redonda uma plataforma de comércio que liga mais de 200 produtores diretamente aos restaurantes. Também são organizados eventos reunindo cozinheiros locais e internacionais –Louzao já recebeu em seu principal restaurante, Cocina Abierta, na capital San Juan, chefs de fora, como Daniela Soto-Innes e Oscar Lorenzzi, de Nova York, Jaime Rodriguez, da Colômbia, Marsia Taha, da Bolívia, e, quando estive lá, a brasileira Janaína Rueda, d'A Casa do Porco, servindo feijoada com alguns acepipes que deram fama ao restaurante. Entre os porto-riquenhos, chefs como Gabriel Hernandez (restaurante Verde Mesa) e Carlos Portela (Orujo).

Feijoada com porco assado preparada pela brasileira Janaina Rueda no restaurante Cocina Abierta, de San Juan, Porto Rico
Feijoada com porco assado preparada pela brasileira Janaina Rueda no restaurante Cocina Abierta, de San Juan, Porto Rico - Gabi Pérez-Silver/Divulgação

Não houve tempo para praia (só para ver as águas transparentes bordejadas pela areia branca), mas conheci restaurantes interessantes. Do próprio Louzao, o Oriundo (oriundopr.com), mais experimental, de pesquisa multidisciplinar, o Cocina Abierta (cocinaabierta.net) e um café-bar apinhado, o Caleta (@caletacafe), na linda parte velha e colonial, dentro das muralhas de San Juan. Dirigido por mulheres, com uma cozinha local de conforto, o Cocina al Fondo (cocinaalfondo.com), da chef Natalia Vallejo. E outro bar –na verdade, um labirinto de bares com pinta underground: o La Factoria (@lafactoriapr).

Nestes encontramos versões locais da cozinha criolla da América Central, com ingredientes das culturas indígena (feijão, mandioca, frutas, pimentas e raízes), africana e europeia traduzidos em frituras e guisados. O prato típico, mofongo, é um purê grosso de banana da terra com torresmo, com versões recheadas de diferentes carnes.

Mas também aproveitei para conhecer um sítio de produção agroecológica, a Finca Neo Jibairo (fincaneojibairo.com), que serve um menu com alguns de seus 25 produtos orgânicos e –para minha surpresa— tem um curso de charutos (também produzidos lá).

Finca agroecológica Neo Jibairo, em Rio Grande, Porto Rico
Finca agroecológica Neo Jibairo, em Rio Grande, Porto Rico - Gabi Pérez-Silver/Divulgação
Folhas de tabaco secando para produção de charutos na Finca Neo Jibairo, em Rio Grande, Porto Rico
Folhas de tabaco secando para produção de charutos na Finca Neo Jibairo, em Rio Grande, Porto Rico - Josimar Melo

Visitei ainda a pequena (e preciosa) fábrica do rum Del Barrilito (rondelbarrilito.com), de 1871. Ele é envelhecido em tonéis de jerez por até dezenas de anos. Mas um deles guarda um rum que não se sabe quando será provado. Foi enchido em 1952, com a promessa da família fundadora de que só será aberto —e provado pelo povo em praça pública— quando Porto Rico conquistar a independência.

Já tenho dois motivos para voltar.

Barricas de envelhecimento do rum Del Barrilito, em Porto Rico
Barricas de envelhecimento do rum Del Barrillito, em Porto Rico - Josimar Melo

O jornalista viajou a convite do movimento Mesa Redonda

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.