Josimar Melo

Jornalista, crítico gastronômico, curador de conteúdo e apresentador do canal de TV Sabor & Arte

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Josimar Melo

Palmirinha me fez lembrar dos encontros com Julia Child

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A notícia da morte da cozinheira e apresentadora de TV Palmirinha, no último dia 7, me levou a uma viagem —no tempo e no espaço.

Ela foi provavelmente a última representante de uma linhagem de apresentadoras populares de culinária que, no ar, em plena TV aberta, espelhavam aquilo que seu público queria (e sentia que poderia) ser, ao menos na cozinha.

A apresentadora e cozinheira Palmirinha - Instagram/vovopalmirinha

Uma história que teve seu maior impacto 61 anos atrás, com a estreia da icônica Julia Child (1912-2004) na TV pública americana –o que leva minha memória aos Estados Unidos.

Só vi seus programas muito depois, pela internet. Mas cheguei a assistir, in loco, a uma (sempre divertida!) aula sua num evento em Aspen, no Colorado –uma cidade/estação de esqui que é belíssima no verão, quando as montanhas ficam verdes e o sol, além de brilhar, aquece. É quando acontecem festivais de artes, de esportes, de música e também de gastronomia. Foi num desses, no começo dos anos 1990, que vi a mítica Júlia em ação.

Também a encontrei outras vezes –gigante, estridente—, mais reservadamente, em salas de imprensa de eventos na América do Norte. E por isso posso afirmar que aquele estilo Julia Child na TV –expansivo, estabanado, de uma naturalidade quase ingênua— não era um personagem: era ela mesma.

O que nos leva à sua encarnação no Brasil, a apresentadora Ofélia Anunciato (1924-1998), que encantou as telespectadoras durante décadas na TV aberta. Curiosamente, nesta semana recebi, de uma livraria inglesa, a publicidade de alguns livros de cozinha, entre os quais "A Taste of Brazil – author: Melo, Josimar". Por 35 libras (ou bem menos, o usado), nada mal.

Capa do livro 'A Taste of Brazil', de Josimar Melo
Capa do livro 'A Taste of Brazil', de Ofélia - Reprodução

Mas se trata na verdade da versão de uma editora americana do livro "Ofélia – O Sabor do Brasil", belamente editado no Brasil pela DBA e premiado com o Jabuti, e onde eu apenas fiz a apresentação; o livro é de receitas dela. Com dez anos de TV Tupi e mais 30 de Bandeirantes, Ofélia ganhava o mundo pelas páginas de um livro.

Como Julia Child, Ofélia aparecia na tela como na vida real: um pouco desajeitada, muito gente como a gente, e era essa espontaneidade que encantava o público, composto majoritariamente por donas de casa que em suas vidas viviam as vicissitudes do dia a dia na cozinha.

Aí veio a Palmirinha, que me remeteu a outra viagem: só a conheci muito rapidamente, em Ribeirão Preto, na feira literária onde ambos palestramos (mas separadamente). O seu fascínio estava, novamente, em sua autenticidade: uma mulher simples e de trajetória sofrida, para quem a cozinha nunca foi um hobby, mas uma necessidade, um meio de sobreviver e de alimentar (em todos os sentidos) as filhas. Quanto mais desajeitada, quanto mais erros cometesse ao vivo, mais granjeava a simpatia e a cumplicidade do público.

Mas por que seria ela a última dessa linhagem? Acontece que a culinária cresceu, virou parte do mundo maior da gastronomia. Se antes apenas quem tinha ambições profissionais queria aprender técnicas e conhecimentos além do prato, hoje o público não profissional, o amador que gosta de cozinhar ou comer, aumenta e vai ficando mais exigente. Especialmente nas emissoras a cabo, o padrão dos apresentadores de receitas é cada vez menos o estereótipo da dona de casa.

Isso leva inclusive à criação de apresentadores que vivem personagens, como atores. Mas, por sorte, na atual profusão de programas de culinária, ainda existem os que são espontâneos (mesmo que agora mais sofisticados). Que mostram tirar conhecimento do fundo do coração (e das panelas). São estes os que mais empatia têm com um público que pode gostar de uma informação mais refinada, mas que entende também que comida boa não pode ser esnobe.

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