Foram anos, décadas mesmo, pregando contra a existência dos campeonatos estaduais. Desde os tempos da revista Placar.
Pelo menos a cada quatro editoriais que escrevia, um era para pedir a extinção dos torneios.
Lembro particularmente de uma reunião em que estava o ex-presidente do São Paulo, Henri Aidar, que educada e carinhosamente me chamou de herege por defender mais espaço para o Campeonato Brasileiro no lugar do que eu chamava de avião de hélice contra os a jato.
Muita gente jamais entendeu como eu poderia considerar o título paulista do Corinthians de 1977 o mais importante da história do clube e mesmo assim desdenhar dos estaduais.
Pelo interior afora arrumei inimigos que me chamavam de elitista por não querer que os times grandes da capital, e o do litoral, expusessem seus craques em estádios raquíticos e gramados criminosos.
Não aceitavam o argumento de que não pode ser elitista quem defende os interesses da maioria dos torcedores, porque vinham com a contra-argumentação do celeiro de jogadores revelados pelos pequenos etc.
Paulistas ficavam bravos por verem seu campeonato centenário ser chamado de Paulistinha, os cariocas da mesma forma assim como os gaúchos com o Carioquinha e o Gauchinho. Engraçado até, sobre os dois últimos, é que quando liam só a referência aos seus torneios, diziam para eu chamar o campeonato de São Paulo no diminutivo, porque, como se sabe, torcedor não é nada bairrista.
Pois bem, o que me fez mudar de opinião foi o jogo do Flamengo em Madureira na tarde de quarta-feira (16) da semana passada.
Eu havia ridicularizado as 1.009 testemunhas presentes ao estadinho de Conselheiro Galvão — não elas, mas o número.
Eis que, de repente, EUREKA!
Soube que naquela tarde, exatamente às três e meia da tarde, Arquimedes, levado pelo pai, seu Rubinho, começou a ver, de corpo presente, o primeiro jogo de futebol em sua curta vida de apenas 6 anos de idade.
Arquimedes logo se apaixonou pelas cores grená, azul e amarela do Tricolor Suburbano embora percebesse que seria minoritário. Sim, porque mesmo só entre escassas 1.009 pessoas é possível, com algum esforço, ser minoria.
São insondáveis os motivos que acendem a chama da paixão e lá estava o pequeno Arquimedes para comprovar.
Mais: nascia ali, no caldeirão do subúrbio carioca, um novo torcedor que haverá de frequentar estádios, idolatrar seu goleiro, o beque de fazenda, o centroavante rompedor.
Dane-se o Maracanã lotado, Wembley ou Camp Nou.
Não existiria Lionel Messi se não existisse Ygor Catatau, o autor do 1 a 0 para o Madureira!
Nem a perplexidade de seu Rubinho, rubro-negro fanático, batizado Rubens em homenagem ao Doutor Rubis, célebre meia que brilhou na Gávea na década de 1950.
Sim, rara leitora, raro leitor: me penitencio por tantas colunas em defesa dos clássicos e contra a presença dos pequenos à mesma mesa frequentada pelos grandes.
Dou a mão à palmatória e prometo nunca mais incorrer no mesmo erro.
Passo a defender a existência dos campeonatos estaduais com o mesmo ardor com que defendo a reforma ortográfica.
A que descreve assim o lance em que "o atacante para para" fazer o gol, um passe, seja ele de que time for.
Aliás, em relação à maravilhosa reforma ortográfica, só a crítico por não ter criado o sinal de ironia, como existe o de exclamação.
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