Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri

É hora de falar de eutanásia

Que sentido faz deixar sofrer alguém que pediu para que não esticassem sua vida?

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Ao acompanhar de perto o sofrimento de pessoa querida que, em declaração formal registrada em cartório, pediu, plenamente lúcida, que não prolongassem sua vida, senti na pele, e na carne, como é necessária a legalização da eutanásia.

Em países como Alemanha, Bélgica, Espanha, Holanda, Luxemburgo e Portugal, a questão está bem resolvida e é mais que oportuno e necessário travar a discussão no Brasil.

Como ouvir, sem sentir dor, de alguém desenganado, já sem nenhuma possibilidade de remissão da doença, frases como "não me deixam morrer em paz", ou "não consigo morrer", ou, ainda, "até morrer é difícil"? Haverá algo mais desumano?

E olhe que a equipe médica envolvida no caso atendeu plenamente o chamado testamento vital registrado em cartório, mas, a partir de um certo momento, não pôde fazer mais do que os protocolos determinam.
Ou seja: estava proibida de aprofundar a sedação para evitar sofrimento psicológico, exatamente o que a atormentava, em confusão de imagens e palavras dilacerantes.

Víctor Escobar abraça seu advogado, Luis Giraldo Montenegro, horas antes realizar o procedimento
O colombiano Víctor Escobar abraça seu advogado, Luis Giraldo Montenegro, horas antes realizar o procedimento de eutanásia - Reprodução Twitter Luis Giraldo


Alguém dirá que se ainda não soubemos tratar do aborto, não será a eutanásia que entrará na pauta do país. Pode ser.

Em nome da vida, proíbe-se a morte, embora, na verdade, apenas se prolongue a angústia do doente e dos que o acompanham.

Para quem acredita em Deus e, portanto, que só Ele determina o começo e o fim de tudo, talvez a fé amenize o desenlace para a vítima e os seus.

E para quem não acredita? E para quem considera que a qualidade da vida tem de prevalecer? Para quem vê e sente a dignidade se esvair diante da impossibilidade de comandar as necessidades mais simples? Que suplica pelo fecho e nem sequer mais tem o livre-arbítrio para resolver o que o desespera?

Não está aqui, por óbvio, nenhum doutor em direito, muito menos um filósofo. Apenas o irmão inconformado com o que testemunhou em semana inteira de angústia sem horizonte, inútil passagem, ao menos, nos derradeiros três dias.

Sem conforto algum, comunicação zero, só dor, dor e dor.

Os que permanecem passam a conviver com a ambiguidade do sentimento, porque como torcer para que vá alguém que queríamos tanto que ficasse?

Daí ser urgente dar o passo civilizatório no sentido de libertar médicos e pacientes pela vida que vale mesmo a pena ser vivida. E pela morte que deve ser morrida com suavidade, sem estraçalhar a rota dos anos percorridos.

Vida longa e morte rápida é o desejo que raramente se materializa. E se a medicina tem avançado para aumentar a expectativa de uma, pouco tem como fazer, aqui, para possibilitar a outra.

O Estado laico deve estar acima de quaisquer injunções e está obrigado a melhorar as condições de felicidade de sua gente.

Negar o direito de cada um determinar como pretende pôr cabo ao sofrimento destoa do século 21 e do Iluminismo.

Que pastores verdadeiramente humanistas não atrapalhem e parlamentares realmente comprometidos com seus eleitores marchem na direção, sem medo das patrulhas obscurantistas, de modernizar a legislação para que cada um possa escolher como fazer com a própria vida.

Impossível querer, de fato, bem ao próximo e conviver com o martírio, mais ainda se evitável.

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