Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri
Descrição de chapéu Campeonato Brasileiro

A dolorosa queda do Santos

Nada marcará mais o futebol brasileiro em 2023 do que o rebaixamento santista

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O menino tinha oito, nove, dez anos, e acordava cedo mesmo nas férias escolares de dezembro e janeiro para ser o primeiro a pegar o jornal na porta de casa no Itaim Bibi.

Era corintiano, mas, nos tempos em que as notícias não chegavam a jato, o garoto queria não ler nas páginas do caderno de esportes (sim, em 1958/59/60, havia caderno de esportes nos jornais) que Pelé tinha sido vendido para o Real Madrid, Benfica ou Milan, que viviam anunciando interesse em contratá-lo.

Uma criança se preocupava porque o melhor jogador de um time rival poderia desfalcá-lo.

Diga-se que naqueles tempos a seleção brasileira tinha uma importância tão grande como os tais cadernos de esportes, e, guardadas as proporções, com o time de camisas amarelas aconteceu meio que a mesma coisa.

Voltemos.

Pelé e Santos eram faces de moeda única, e torcer pelo time de camisas imaculadamente brancas, obrigatório para quem gostasse de futebol.

Porque nunca houve na história do futebol um time como aquele em seu auge, no começo da década de 1960.

O Santos de Pelé derrubou o Benfica em 1962 - Acervo U.H. - 19.set.62/Folhapress

O Real Madrid é o maior clube de futebol do mundo, é inegável, mas como aquele Santos que enfiou 5 a 2 no Benfica na decisão do Mundial, no estádio da Luz, em Lisboa, em 1962, jamais houve nada igual.

Os tempos passaram, e a Vila Belmiro testemunhou outros ótimos esquadrões, campeoníssimos, embora nada nem parecido.

É possível dizer que o Santos é tão grande, mas tão grande, que sua grandeza só é superada pela do Rei Pelé.

Alfredo Di Stéfano não é maior que o Real Madrid, Lionel Lionel Messi não é maior que o Barcelona, Diego Maradona não é maior que o Boca Juniors, Zico não é maior que o Flamengo etc.

Pelé, tivesse jogado em quaisquer desses gigantes, seria maior que eles.

Porque Pelé só não é maior que o próprio futebol, irmão gêmeo dele e sinônimo.

Pelé é o Pelé dos Pelés, como Michael Jordan é o Pelé do basquete e Muhammad Ali é o do boxe.

O menino cresceu, e o Santos do Rei passou 11 anos sem perder para o time dele.

Empilhou taças e mais taças enquanto o Corinthians jejuava por inacreditáveis 23 anos.

O mundo reverenciava o Santos como a nenhum outro time brasileiro então —e até hoje.

Só a camisa branca santista rivalizava em excelência com a merengue madridista. Nenhuma outra.

Resumi-la a Pelé seria, além de injusto, impreciso, até porque nada se resume em Pelé, tudo extrapola.

E Dorval, Mengálvio, Coutinho e Pepe. E Gylmar, Cejas e Rodolfo Rodrigues. E Carlos Alberto Torres, Mauro Ramos de Oliveira, Calvet, Ramos Delgado, Zito, Pagão, Jair Rosa Pinto, Clodoaldo, Edu, Giovanni e Paulo Henrique Ganso. E os Meninos da Vila, e os que vieram depois em 2002, Diego, Robinho, Elano e Neymar.

Nenhum deles, por tudo o que fizeram pelos gramados mundo afora, merece a dor do rebaixamento.

Os cartolas, sim, tanto fizeram que fizeram por merecer, alguns até deveriam estar atrás das grades, vampiros da grandeza santista.

É claro, sabem a rara leitora e o raro leitor, o menino era eu.

Que, além do mais, deve ao Santos dois anos de saúde sem cigarro, com a promessa, no intervalo da decisão do Mundial de 1963, no Maracanã, contra o Milan, 2 a 0 para os italianos, de parar de fumar caso o Santos virasse.

Pois virou, para 4 a 2, sem Pelé, machucado, e imortalizou Almir, o Pernambuquinho, que jamais permitiria o rebaixamento do grande Santos.

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