Descrição de chapéu Campeonato Brasileiro

Receita da queda histórica do Santos tem 47 contratações, 10 técnicos e sequência de erros

Clube passou raspando em anos anteriores. Em 2023, não escapou do rebaixamento

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São Paulo

"Esse cara não entende muito de futebol, né?", espantou-se o atacante Marinho, no vestiário da Vila Belmiro.

O inédito rebaixamento do Santos começou a ser construído no último momento de alegria do torcedor: a classificação para a final da Copa Libertadores de 2020. A decisão foi disputada no início de 2021 por causa da pandemia de Covid-19.

Depois da vitória por 3 a 0 sobre o Boca Juniors nas semifinais, o presidente recém-eleito Andres Rueda quis discutir o valor dos prêmios a ser pago aos jogadores em caso de título continental. Achou que o acertado com antecedência era muito.

O clube perderia o jogo do título para Palmeiras e jamais chegaria perto novamente de um troféu. Ao contrário, a rotina passou a ser brigar contra rebaixamentos no Campeonato Paulista e no Campeonato Brasileiro, quase sempre escapando nas rodadas finais. Às vezes, na última.

O zagueiro Messias lamenta, ajoelhado, o rebaixamento do Santos no Campeonato Brasileiro da Série A
O zagueiro Messias lamenta, ajoelhado, o rebaixamento do Santos no Campeonato Brasileiro - Rafael Assunção/Photo Premium/Agência O Globo

"Isso é brincar de roleta-russa. Uma hora, a bala vai disparar", advertiu à Folha, em março deste ano, Marcelo Teixeira, ex-presidente (1992-1993 e 2000-2009), candidato a voltar ao cargo nas eleições do próximo sábado (9).

A bala disparou na quarta-feira (6). A derrota em casa para o Fortaleza por 2 a 1, somada às vitórias de Bahia (sobre o Atlético Mineiro) e Vasco (Red Bull Bragantino), mandou o Santos para a Série B pela primeira vez em sua história. Em tempos de vacas magras, sem conquistas desde o Paulista de 2016, restava ao torcedor o orgulho de jamais ter ido para a segunda divisão. Isso agora acabou.

Após a derrota, torcedores colocaram fogo em veículos e ônibus na região do estádio.

Um dos ônibus incendiados na área próxima à Vila Belmiro - Guilherme Dionizio

Rueda sempre mandou sinais contraditórios em sua administração, mas se manteve fiel à crença de que Marinho estava errado e ele, sim, entendia de futebol. A queda no Brasileiro é a prova final de que se enganou.

"Não é nenhum Beckenbauer, mas é jogador que não compromete. É um salário baixo, que ele não nos ouça", respondeu, em outubro de 2022, quando questionado em reunião no Conselho Deliberativo sobre a renovação contratual de Camacho, um volante questionado e que nunca conseguiu se firmar como titular.

Não foi a única aposta. Quase todos os tiros dados pela administração Rueda, no mercado da bola, erraram o alvo. Em 2021, contratou o meia Augusto, que estava na terceira divisão espanhola, onde havia feito só um gol nas duas temporadas anteriores. Após o vice-campeonato do Água Santa no Estadual deste ano, ele levou para a Vila Belmiro três jogadores da agremiação de Diadema: o lateral Gabriel Inocêncio, o meia Luan Dias e o atacante Bruno Mezenga.

O "bonde do Água Santa", como foi apelidado pela torcida, fracassou. Luan Dias fez seis jogos e nenhum gol. Bruno Mezenga entrou em campo dez vezes e anotou uma vez. Gabriel Inocêncio causou surpresa ao começar como titular diante do Fortaleza. Com o Santos em situação desesperadora, nos segundos finais e precisando de um gol para se salvar (o placar ainda era 1 a 1), ele foi lançar uma bola ao ataque, acertou-a com a canela e a mandou para as cadeiras sociais da Vila.

Foram 47 contratações em três anos da atual administração. Conselheiros o questionaram por várias delas, como o meia-atacante Nonato (antes reserva no Ludogarets-BUL), o meia colombiano Daniel Ruiz (dispensado meses depois), o lateral Junior Caiçara (sem jogar há oito meses), o volante Alison e o goleiro reserva Vladimir.

No caso do último, o Santos renovou o contrato até o fim de 2025. Para evitar revolta de torcedores, nem sequer fez anúncio oficial do novo acordo.

Rueda também deu declarações desastradas durante seu mandato prestes a acabar. A cada ano, dizia que o seguinte seria "bem melhor". Virou piada interna na Vila Belmiro.

Falou, também no conselho, que o elenco do Santos, eliminado na fase inicial do Paulista de 2023 pelo terceiro ano seguido, não devia nada a nenhum outro do país. Jurou que Lucas Lima, um meia desempregado e que não tinha nenhuma oferta, interessava a todos os grandes clubes nacionais. Lima jogou razoavelmente bem até conseguir uma renovação –contrato que acaba em abril de 2025. Depois disso, seu futebol desabou.

"Eu não trago ninguém, não faço acordo com ninguém sem ter certeza de que vou pagar. O problema é que às vezes o dirigente se sente pressionado e fala ‘foda-se, vou fazer isso para ter tranquilidade’. Você acha que não estou pressionado? Adoro a torcida, mas meu compromisso é com o Santos Futebol Clube", disse Rueda à Folha há nove meses.

Para ex-dirigentes ouvidos pela reportagem, este foi um erro fatal e que mostra ser ele um presidente que não entende a lógica de administrar um clube de futebol.

Dinheiro será escasso em 2024. Sem classificação para a Copa do Brasil e ou para qualquer torneio continental, a equipe terá no calendário apenas o Paulista e a Série B do Brasileiro.

Rueda também nunca se acertou com executivos de futebol e chegou a dizer que a função não era relevante. Chamou-os de "empresários frustrados". Terminou o ano com Alexandre Gallo como coordenador. Após a derrota para o Fortaleza, ele questionou abertamente a qualidade do elenco montado e afirmou ter visto muitas coisas erradas no futebol do Santos, mas não quis entrar em detalhes.

"Os salários estão em dia. Não entendo como a equipe não conseguia ter um nível técnico melhor", queixou-se.

Para contrapor os resultados em campo, Rueda projetou a fama de "pagador de boleto", o que levou conselheiro da oposição a apelidá-lo de Zé Planilha. Mas o Santos apresentou, no balanço referente a 2022, dívida total de R$ 578 milhões. Apenas para seu presidente, deve cerca de R$ 24 milhões.

Ele alega ter pago R$ 431 milhões em débitos. Ao ge.globo, em outubro, avaliou "talvez" ter feito escolhas erradas no futebol.

Para rivalizar com os equívocos nas contratações de jogadores, houve os técnicos. Para a Folha, em 2021, assegurou que, quando contratava um treinador, era para trabalho de longo prazo e que, se era obrigado a demiti-lo, considerava um sinal de fracasso do projeto.

Sob sua administração, entre 2021 e 2023, o Santos teve Cuca (herdado da gestão anterior), o argentino Ariel Holan, Fernando Diniz, Fábio Carille, o argentino Fabián Bustos, Lisca, Odair Hellmann, Paulo Turra, o uruguaio Diego Aguirre e Marcelo Fernandes. Isso sem contar os interinos.

"Pegamos um avião embicado para baixo", disse Gallo, sobre a situação no Campeonato Brasileiro.

Foi um ano em que o Santos desafiou tanto a receita do sucesso no futebol que viveu até um caso de acusação de assédio sexual. Foi contra o então executivo de futebol Paulo Roberto Falcão. O caso foi arquivado.

Os problemas administrativos são anteriores. Seu antecessor imediato, José Carlos Peres, sofreu impeachment e ficou conhecido por contratar primeiro e ver como pagar depois, o que validou, no início, o discurso de Rueda de só contratar dentro do orçamento.

Mesmo ex-jogadores históricos pressentiam que o pior poderia acontecer. Ao ser abordado por um torcedor, há duas semanas, o ex-lateral Léo, campeão brasileiro em 2002 e 2004 e da Libertadores de 2011, ouviu queixas a respeito da qualidade do time atual e uma brincadeira comum até a última terça-feira (5): o Santos era "incaível".

"É… Mas eles [da diretoria] estão se esforçando bastante para cair. Uma hora dá certo."

No jogo do rebaixamento, um dos gols do Fortaleza foi marcado por Marinho, o mesmo que quase três anos atrás se espantou com o conhecimento que Andres Rueda tinha de futebol.

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