Juliana de Albuquerque

Escritora, doutora em filosofia e literatura alemã pela University College Cork e mestre em filosofia pela Universidade de Tel Aviv.

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Juliana de Albuquerque
Descrição de chapéu Eleições 2018

O lugar do outro

Uma lição de Leibniz e Barack Obama para o Brasil

Neste ano eleitoral, em que os ânimos estão à flor da pele e o Brasil corre o risco de sofrer cisões ainda mais dramáticas de opinião, vale a pena revisitar o belo discurso de despedida de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos.

Nele, Obama faz breve análise da crescente polarização na política norte-americana e do retrocesso que ela simboliza para uma tradição republicana baseada em ideais de tolerância e autonomia individual. 

Referindo-se à Declaração de Independência, Obama reflete sobre a necessidade de se governar para todos e como a preservação de um ambiente democrático reside em nossa capacidade para reconhecermos a humanidade dos concidadãos e a legitimidade dos seus pleitos, por consequência. 

Algo que, segundo Obama, requer um exame de consciência de toda a população: “Para que a nossa democracia funcione neste país cada vez mais diverso, faz-se necessário que cada um de nós ouça o conselho de (...) Atticus Finch: você nunca entenderá um homem enquanto não calçar os seus sapatos e olhar o mundo por seus olhos”.

Personagem de “O Sol É Para Todos” —romance de Harper Lee sobre a desigualdade racial no sul dos EUA—, o advogado Atticus Finch tornou-se símbolo de resistência moral ao defender um homem negro acusado de estuprar uma mulher branca. No entanto, seu posicionamento ético transcende questões raciais, servindo também como princípio para resolvermos qualquer tipo de injustiça ou conflito epistêmico.  

Embora o conceito de injustiça epistêmica tenha ganho fama com “Epistemic Injustice” —livro da filósofa inglesa Miranda Fricker sobre como o testemunho das minorias é alvo de descrédito e compreensão seletiva—, já no século 17 G.W. von Leibniz, pensador alemão, o discutia em “O Lugar do Outro”, sobre a aplicação política da regra de ouro do cristianismo de que não devemos fazer aos outros o que não gostaríamos que nos fosse feito. 

Segundo o filósofo brasileiro Marcelo Dascal, Leibniz teria nos mostrado que a vantagem da aplicação desta regra consistiria em “ao considerarmos o que os outros pensam ou como reagem, poderíamos ultrapassar a nossa inevitável limitação epistêmica”. 

Dascal propõe que o lugar do outro seja visto como uma lição de “racionalidade branda” Ou seja, a noção de que existiria um modelo de razão capaz de lidar com situações em que as únicas regras seriam a imprecisão e a incerteza; por exemplo: na tomada de decisões morais e políticas.

Neste sentido, ao citar Atticus Finch, um dos méritos do discurso de Obama seria mostrar como a política poderia ser exercida através de um modelo de racionalidade branda e como a busca por justiça social dependeria da nossa aptidão para seguirmos o princípio de que para surtir efeitos positivos, a empatia deve relacionar-se ao exercício da razão aplicada ao contexto individual de cada controvérsia.

Em suas palavras, Obama expressa essa ideia da seguinte forma: “Para os negros e outras minorias, isso significa vincular nossas próprias lutas por justiça aos desafios que inúmeras pessoas neste país enfrentam [incluindo o homem branco de meia idade] (...) Para os americanos brancos, isso significa reconhecer que os efeitos da escravidão (...) não desapareceram de repente na década de 1960; que, quando grupos minoritários expressam seu descontentamento (...), não estão reivindicando um tratamento especial, mas o tratamento igual prometido pelos fundadores da nossa nação.”

Infelizmente não encontramos entre nossos presidenciáveis alguém que partilhe do mesmo nível de maturidade intelectual de Barack Obama. No entanto, temos um eleitorado diverso e bem disposto, capaz de conscientizar-se e de, aos poucos, transformar a política no exercício da racionalidade branda, ao invés de palco para paixões inúteis. 

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