Juliana de Albuquerque

Escritora, doutora em filosofia e literatura alemã pela University College Cork e mestre em filosofia pela Universidade de Tel Aviv.

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Juliana de Albuquerque

O preço da vida acadêmica

Pesquisadores apontam correlação entre os altos índices de depressão na academia e a dificuldade dos estudantes de doutorado

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Ainda ontem tive um acesso de banzo. Não sei se em virtude do cansaço ou das saudades de casa, do meu companheiro e da minha família. Desde que comecei a minha vida acadêmica fora do Brasil, precisei me acostumar com uma rotina de intercâmbios e viagens internacionais que, apesar de muito enriquecedora, me distancia cada vez mais das pessoas quem amo, tornando impossível a minha presença em suas vidas.

Agora mesmo, recebi uma bolsa de estudos para passar uma temporada na Alemanha, para reciclar meu conhecimento da língua e trabalhar na minha pesquisa de doutorado. A bolsa veio na hora certa, permitindo que eu tivesse condições de visitar arquivos e bibliotecas e ter acesso a impressos e manuscritos, os quais eu jamais poderia consultar na Irlanda ou no Brasil.

Não há dúvida alguma de que esta viagem servirá para tornar o meu currículo ainda mais competitivo, dando-me a chance de conseguir um novo posto de pesquisa assim que concluir a tese de doutorado. Mas para onde será que este posto me levará, e por mais quanto tempo precisarei ficar longe de casa?

Em recente conversa com o meu orientador, chegamos à conclusão de que o melhor para a minha pesquisa talvez fosse uma colocação na Inglaterra ou nos Estados Unidos. Afinal, nestes dois países se concentra a maior parte dos trabalhos relacionados ao meu campo de estudo.

Mas e o meu companheiro? Se eu precisar me ausentar da Irlanda por dois ou três anos, o que posso fazer dele? Não tenho como exigir de alguém que largue tudo o que conquistou ao longo da vida para se danar comigo pelo meio do mundo e viver espremido num quartinho de residência estudantil. A dividir a cozinha, o banheiro e a geladeira com uma porção de gente desconhecida, como se ainda fôssemos adolescentes.

Eu mesma, depois dos 30 anos, começo a me questionar como é que ainda tenho energia para encarar esse estilo de vida. Ora, é inegável que a universidade impõe tais sacrifícios. Será que todos eles valem a pena? O que dizer da solidão, da precariedade econômica e dos problemas de saúde que afligem os acadêmicos que se deslocam de um lado para o outro do mundo para realizar as suas investigações e encontrar um emprego?

Na Irlanda, a maioria dos meus colegas de departamento é estrangeira. Com exceção de três professoras irlandesas, o nosso corpo docente é quase todo formado por alemães e austríacos. Alguns desses professores são casados com outros acadêmicos e mantêm os seus relacionamentos a distancia.

Quando, em outra oportunidade, eu trabalhei na Universidade de Konstanz, também na Alemanha, apenas um dos pesquisadores da minha equipe morava com a família. Enquanto eu e outro colega nos desdobrávamos para residir no país e conviver com os familiares em Israel, no Brasil ou na França.

De lá para cá, aconteceu o meu divórcio. Apenas uma das minhas colegas de mestrado casou-se e teve um filho. Todas as outras permaneceram solteiras e nenhuma de nós mora mais no mesmo lugar. Ora, será que é este o justo e verdadeiro preço a ser pago por nosso empenho na vida acadêmica?

Em "Fausto", de Goethe, o protagonista da tragédia irrompe em uma reflexão semelhante. Sozinho em seu gabinete, o velho professor universitário se queixa de uma vida em que, apesar da sua dedicação ao conhecimento, tornou-se cada vez mais distante da experiência humana. Afinal, o que teria ele para ensinar aos seus alunos, enquanto lhe faltava a vivência mais básica dos seus afetos para estabelecer um elo entre a ciência e o aperfeiçoamento do indivíduo em busca felicidade?

Esta provocação de "Fausto" repete-se em um diálogo entre Goethe e o seu secretário J.P. Eckermann, autor de "Conversações com Goethe nos Últimos Anos de Sua Vida". De acordo com este registro, Goethe teria feito um comentário sobre o tormento psicológico de muitos filósofos e eruditos que, na tentativa de cumprir os mais variados e exaustivos requisitos profissionais, quase sempre se tornavam passíveis da depressão.

Qualquer semelhança com a minha realidade não é simples capricho ou mera coincidência! Ora, em março do ano passado a revista "Nature" publicou uma pesquisa segundo a qual os docentes e pesquisadores em nível de doutorado estariam seis vezes mais predispostos a ansiedade e depressão do que o restante da população.

Outra informação que me chamou atenção no artigo é a de que as mulheres em nível de doutorado estão consistentemente mais expostas a doenças mentais do que os homens. O que talvez nos ajude a entender os motivos pelos quais certas mulheres decidem abandonar a vida acadêmica após concluírem as suas teses de doutoramento.

No geral, uma das conclusões dos pesquisadores é que existe uma correlação entre os altos índices de depressão e de ansiedade na academia e a dificuldade dos estudantes de doutorado para manter alguma espécie de equilíbrio entre a vida privada e as exigências acadêmicas.

Dito isso, a pesquisa acaba por revelar em nossas práticas acadêmicas aquela mesma falta de equilíbrio denunciada pelo personagem de Goethe e pelas conversas do autor com Eckermann.

Restando-me apenas a esperança de contar com o apoio das instituições e dos meus mestres para fazer cumprir a minha vocação, sem que para isso eu tenha de sacrificar ainda mais qualquer expectativa de felicidade.

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