Julianna Sofia

Jornalista, secretária de Redação da Sucursal de Brasília.

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Descrição de chapéu Previdência

Gol contra

Decreto que acelera corte de benefícios sob suspeita pode penalizar quem é miserável e tem direito

Em 2003, o governo Lula 1 mandou velhinhos com mais de 90 anos para as filas do INSS com o objetivo de se recadastrarem. O pagamento dos benefícios de 105 mil aposentados e pensionistas havia sido suspenso, sem nenhum aviso prévio, por suspeita de irregularidades.

Para voltarem a receber, os nonagenários precisavam ir aos postos da Previdência, provando que estavam vivos. A medida gerou intensos protestos, por motivos óbvios e justos. O então ministro da pasta, Ricardo Berzoini, foi obrigado pelo Palácio do Planalto a pedir desculpas publicamente e recuou na exigência do recadastramento.

Nesta semana, a gestão de Michel Temer clonou o feito petista. O presidente editou um decreto que acelera o cancelamento de benefícios, sob suspeição, para idosos e deficientes de baixa renda. O BPC (Benefício de Prestação Continuada) remedeia a situação de pessoas com renda familiar per capita de não mais que R$ 239 mensais, em valores de hoje.

O Ministério do Desenvolvimento Social justifica a decisão de agilizar o corte do BPC com o argumento de que existem 151 mil beneficiários irregulares identificados, a um custo de R$ 150 milhões/mês. O decreto veio facilitar a suspensão das irregularidades, aponta o ministério.

O normativo assinado por Temer não está circunscrito a casos previamente mapeados. É irrestrito, desde que haja cheiro de problema, como uma mera inconsistência de cadastro. Hoje, para cancelar o pagamento leva-se um ano em trâmites burocráticos —certamente, um prazo descabido. A nova regra, no entanto, permite o bloqueio sem aviso, como no caso dos nonagenários.

Com a penúria das contas públicas, o governo busca rever processos e tapar ralos. O BPC é alvo porque consome R$ 50 bilhões/ano. Mas o açodamento no corte de benefícios irregulares não pode abrir brechas que levem a eventual penalização de quem já é miserável e tem direito.

Lá em 2003, após mea-culpa, Lula classificou a medida do companheiro Berzoini como um “gol contra”.

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