Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Juliano Spyer

Não sabe, deixa

O desafio do PT é deixar o diálogo com evangélicos a cargo de quem conhece e é conhecido por esse público

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Evangélicos de esquerda estão preocupados. Está fácil vender a ideia de que Lula, se for eleito, perseguirá os cristãos.

Na semana passada, o ex-presidente Lula estava no ato em que a professora emérita da USP Ermínia Maricato falou sobre "periferias dominadas por igrejas que fazem parte de uma verdadeira máfia". Após o evento, um evangélico que defende a esquerda entre seus pares me mandou o link para a notícia repercutindo essa declaração e comentou: "É de doer as entranhas".

Rapidamente, trechos em vídeo desse evento começaram a circular em grupos de WhatsApp de evangélicos pobres. Na versão que recebi, a fala da professora aparece emoldurada pela frase "O PT odeia os cristãos". A cena termina com a multidão presente aplaudindo.

O ex-presidente Lula em seu primeiro comício de campanha em São Paulo, no Vale do Anhangabaú
O ex-presidente Lula em seu primeiro comício de campanha em São Paulo, no Vale do Anhangabaú - Marlene Bergamo - 20.ago.22/Folhapress

Outro vídeo que circulou foi o do discurso do ex-presidente Lula no sábado em São Paulo. Ele voltou a falar sobre religião: "Quando quero conversar com Deus, eu não preciso ter padre ou pastores. Eu posso me trancar no meu quarto e conversar com Deus quantas horas eu quiser sem pedir favor a ninguém."

Uma amiga da Assembleia de Deus, analfabeta funcional, ex-eleitora de Lula e de Dilma, comentou: "Enquanto o Bolsonaro tá indo para dentro das igrejas dizer que ninguém fecha a igreja, que os crentes devem ir mesmo orar nas igrejas, e cresce [nas intenções de voto], Lula aparece dizendo que ele se tranca dentro de um quarto para falar com Deus? É essa a mensagem dele para os crentes?"

Sobre o trecho em que Lula defende que "as igrejas não têm que ter partido político", ela reage: "Quando a política vai atingir a igreja, a igreja tem que saber em quem votar." E interpreta essa fala do ex-presidente como um sinal de que seu governo tentará controlar os cristãos.

O pastor Alexandre Gonçalves conta como grupos do partido que ele apoia, o PDT, se opuseram ao esforço de formar um núcleo de evangélicos para apoiar a candidatura de Ciro Gomes. "A gente tem grande dificuldade de conseguir o diálogo."

Alexandre define a atitude prepotente da esquerda em relação ao mundo evangélico usando o termo "ateusplaining", que faz referência à expressão em inglês "mansplaining". Se "mansplaining" é quando um homem comenta ou explica alguma coisa a uma mulher como se ela fosse criança, "ateusplaining" é quando alguém que não conhece religião, não frequenta igrejas e não convive com religiosos, quer ensinar como religiosos devem pensar.

Não é de hoje que a vida do evangélico de esquerda é difícil. A deputada federal Benedita da Silva conta no documentário "Púlpito e Parlamento, Evangélicos na Política", de 2015: "O Lula sempre foi a besta do apocalipse para a igreja... E no meu partido, eu era discriminada pelos chamados ‘revolucionários’... Eu continuei... colocando, para a igreja, que o PT não era o demônio. E colocando, no PT, que [essa forma de tratamento do evangélico] era uma discriminação."

Para Vinicius do Valle, sociólogo e autor de "Entre a Religião e o Lulismo" (Recriar), o PT foi fundado a partir de um tripé de apoio que incluía grupos católicos ligados à Teologia da Libertação, sindicalistas e intelectuais das universidades. Mas, com o tempo, a igreja católica se afastou do partido e o movimento sindicalista perdeu forças. Por isso, os intelectuais atualmente à frente do partido estão distantes do cotidiano de pobres religiosos.

Por todos esses motivos, fica a pergunta: se o favoritismo de Lula se confirmar e ele for eleito, como um partido de lideranças em geral desinteressadas pelo tema da religião dialogará com os mais de 80% dos brasileiros que são cristãos, especialmente aqueles conservadores do ponto de vista moral?

Mas agora, a pouco mais de um mês do primeiro turno, a campanha petista tem pela frente um desafio: deixar o diálogo com evangélicos a cargo de quem conhece e é conhecido por esse público, para não expor desfavoravelmente seu candidato em uma arena onde ele é estrangeiro.

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