Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Juliano Spyer

Oremos por Lula

Grandes igrejas evangélicas repudiaram os ataques de domingo. Por quê?

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Durante a campanha eleitoral de 2022, Bolsonaro recebeu apoio de quadros das Forças Armadas, da polícia, do agronegócio e —muito enfaticamente— das maiores e mais poderosas igrejas evangélicas do país. Mas, domingo passado, apenas pastores com relevância local se envolveram nos atos terroristas em Brasília e organizações evangélicas importantes repudiaram o ocorrido.

O que mudou desde outubro para eles estarem cautelosos? E de que maneira a política vem sendo debatida presencialmente e nos grupos de WhatsApp das igrejas?

O pastor Alexandre Gonçalves, da Igreja de Deus em Santa Catarina, observou que as discussões apaixonadas sobre política que aconteceram durante a eleição deram lugar a postagens ocasionais. Como exemplo, ele notou um meme feito a partir da fala de Pablo Vittar na noite da posse de Lula, que circulou em ambientes online junto com o comentário: "Eles não estão preocupados em salvar o Brasil, estão preocupados em impor sua crença ideológica". "Fora isso," diz Alexandre, "eles estão se atendo aos assuntos da igreja, o que já é um grande avanço."

Para o historiador e teólogo batista André Reinke, o fim da eleição não acabou com a perseguição aos "infiéis" dentro das igrejas. "Quem votou em Lula continua sendo criticado," ele conta. Mas mesmo quem rejeita o governo do PT respeita o resultado das urnas. "Há muitos que estão convictos de que a eleição foi fraudada, mas isso não importa, porque mesmo que o Lula tenha sido eleito de maneira ilegítima, do ponto de vista teológico, ele está lá porque Deus permitiu."

A cientista política e socióloga Carla Ribeiro Sales, de uma igreja batista em Pernambuco, prefere o termo reclusão a silêncio para descrever a postura de evangélicos depois da derrota de Bolsonaro nas urnas.

"Vejo os evangélicos na caverna, entocados, mas não em silêncio. O volume de suas vozes não está mais tão alto quanto há alguns meses porque Bolsonaro, que servia de legitimidade e de caixa de ressonância a eles, claro, não está mais no poder. Mas isso não significa que estejam mudos, quietos, resignados ou que se tenham conscientizado da prostituição ideológica a que se lançaram. Para mim, eles continuam plenamente disponíveis a serem mobilizados outra vez."

Por causa do clima de perseguição, algumas pessoas aceitaram compartilhar suas opiniões contando que seus nomes não fossem revelados.

Uma jovem que frequenta a Igreja Universal no interior de São Paulo conta que os fiéis com quem ela convive já não falam de política. "Esse assunto parece ter sido esquecido. Algumas pessoas têm uma sensação de que a vitória do Lula foi fraude. Mas a ideia predominante é que o nosso presidente não é Lula nem Bolsonaro, mas Deus, pois o homem é falho."

Uma jovem batista da Baixada Fluminense conta que "as postagens sobre política desapareceram no grupo da igreja quando o pastor publicou uma mensagem defendendo o respeito à Constituição. Mas não vejo um esforço para trazer de volta aqueles que se afastaram da igreja durante a eleição".

Uma evangélica da Assembleia de Deus, moradora da periferia da Grande Salvador, conta que uma parte dos fiéis da igreja que ela frequenta está conformada, outros continuam revoltados. Ela se posiciona entre os conformados. "Sou contra e vou ser eternamente contra a ideologia do Lula," ela diz, "mas a minha Bíblia diz que a gente tem que orar pelas autoridades, e eu oro para que ele faça um bom governo e governe para todos".

Evangélicos entraram de cabeça na política nas últimas eleições por muitos motivos sobrepostos. Ideologicamente, a percepção corrente é que se crentes não defenderem suas bandeiras no campo dos valores e da moral, outros farão isso por eles. Muitas igrejas também receberam dinheiro do governo anterior, via Ministério da Educação, para criar e manter cursos de teologia oferecidos online. E lideranças tiveram tratamento especial pela primeira vez no Planalto.

Portanto, apesar do distanciamento inclusive dos atos de domingo, essas grandes igrejas sinalizam que continuarão buscando ligações com políticos de direita.

Por tudo isso, oremos por Lula.

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