Existem iniciativas propostas por evangélicos, a partir de visões de mundo cristãs, para proteger o planeta do aquecimento global. Mas elas não prosperam porque, entre outros motivos, lideranças evangélicas tendem a apoiar setores como o do agronegócio e grupos políticos conservadores, que geralmente enquadram ambientalismo como sendo uma "pauta de esquerda".
Essa foi a conclusão de uma pesquisa realizada em 2020, nos primeiros meses da pandemia de Covid-19, para identificar a importância do tema ambiental para cristãos evangélicos pentecostais e neopentecostais. Eu coordenei a etapa qualitativa desse estudo realizado por encomenda para a agência climática Purpose.
A perspectiva do evangélico sobre o aquecimento global, segundo essa pesquisa, coincide com a do brasileiro das camadas populares em geral. A proteção ao meio ambiente faz sentido para os entrevistados quando ela se torna um assunto tangível, que faz parte do cotidiano. Por exemplo: em relação ao lixo jogado nas ruas que entope bueiros e acentua o efeito das enchentes.
A proteção do meio ambiente também tem a ver com economizar recursos: ter um mecanismo para que as luzes da igreja sejam apagadas fora dos horários de uso, reciclar água da chuva, utilizar materiais descartados como tijolos de demolição e pneus para construir as igrejas, coletar latas de alumínio para financiar as obras sociais da igreja, estimular a coleta de lixo para frequentadores da igreja em situação de rua e que precisam de fontes de renda e oferecer oficinas para produção de brinquedos durante as aulas dominicais para crianças.
Outro limitador para o debate sobre o meio ambiente acontecer nas igrejas, segundo os dados da Purpose de 2020, é a proximidade do debate ambiental com temas políticos. Os participantes da pesquisa quase não falaram sobre ambientalismo como um problema a ser debatido no campo da política.
Esses resultados dialogam com a pesquisa do sociólogo Renan William Santos, da USP, que atuou como consultor no estudo da Purpose e estuda a relação entre religiões cristãs e meio ambiente.
Renan afirma que os evangélicos que se consideram ambientalistas também entendem que o ser humano pode usufruir da Terra, contanto que esse domínio seja responsável. E a obrigação de cuidar da criação divina independe da proximidade do fim dos tempos.
Mas a obrigação de "cultivar e guardar" seria um passo a mais, segundo Renan, e só é defendida e posta em prática por uma minoria que leva o compromisso um pouco mais longe.
Em outras palavras, as pregações como a do "cultivar e guardar", embora raras, são bem aceitas por evangélicos de modo geral, apesar de prevalecer a concepção antropocêntrica "tradicional".
Não haveria uma barreira teológica já que os evangélicos não resistem em "refinar" a narrativa da criação em uma direção mais ecológica. Renan ressalta, contudo, que a pregação ecoteológica dificilmente leva os fiéis a transformar a pauta em uma prioridade e, por isso, não tende a resultar em grandes transformações nas práticas cotidianas dos fiéis.
Apesar da simpatia difusa pela defesa do meio ambiente, há pouco comprometimento prático do evangélico com ações e lideranças políticas que atuam na defesa de formas sustentáveis de desenvolvimento.
"Nas entrevistas que venho conduzindo com pastores e outras lideranças evangélicas, a ‘queixa ’principal é a de que, apesar da boa aceitação das pregações sobre a necessidade de ‘cuidar da criação’, seus pares (outros pastores) e o público evangélico em geral (fiéis regulares) dificilmente incorporam essa pauta como uma prioridade religiosa," esclarece o sociólogo.
Para ele, "as particularidades teológicas são menos importantes que a dinâmica de interesses dos dirigentes das diferentes denominações evangélicas, não só em termos materiais (econômicos) e de competição religiosa, mas também em termos políticos, relacionados às disputas de poder em que muitas dessas igrejas estão envolvidas".
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