Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Juliano Spyer

Maioria dos evangélicos aprova o uso medicinal da maconha

Estudo também indica que evangélicos são mais otimistas e interessados em empreender

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O governador Tarcisio de Freitas sancionou, na semana passada, a lei permitindo que remédios a base de maconha sejam distribuídos pelo SUS no estado de São Paulo. Antes do anúncio, notícias em jornais questionavam se um ex-ministro de Bolsonaro, filho de pastora evangélica, ligado ao Republicanos, o partido da Igreja Universal, teria uma visão favorável em relação à legalização da cannabis.

Esse questionamento esconde a percepção de que, além de conservadores do ponto de vista dos costumes, evangélicos são fanáticos irracionais que —apenas por serem evangélicos— não distinguem entre o uso recreativo da cannabis e a utilização de substâncias da maconha para a produção controlada de medicamentos.

Em 2020 eu coordenei a realização de um estudo sobre hábitos de consumo entre evangélicos a partir de amostra representativa da população brasileira. A coleta de dados, feita pela startup PiniOn/Behup, foi divulgada amplamente. E incluímos no questionário perguntas sobre produtos a base de maconha.

Evangélicos majoritariamente rejeitam o uso recreativo da maconha. Ao todo, 76,3% responderam ser contrários à legalização da cannabis para essa finalidade. Mas o sentimento muda quando perguntamos sobre aplicações na medicina. Mais da metade (52%) dos participantes evangélicos disse concordar com o uso controlado de substâncias extraídas da planta para tratamentos de saúde.

Os resultados desse estudo desafiam as percepções que brasileiros das classes média e alta têm sobre esses religiosos. O cristianismo evangélico, por exemplo, é frequentemente associado a dinheiro e a enriquecimento por causa da chamada Teologia da Prosperidade. Mas, em comparação com pessoas de outros grupos religiosos ou sem religião, evangélicos são os que menos disseram (14,3%) que ter mais dinheiro é uma meta importante em suas vidas. Entre católicos, 23,8% escolheram essa alternativa.

Mais do que ganhar dinheiro, o plano do evangélico é empreender, migrar da condição de empregado para se tornar empresário. Na pesquisa, 21,5% disseram ter vontade de abrir um negócio no futuro próximo. A mesma alternativa foi escolhida por 10,8% de católicos, 13,6% de respondentes de outras religiões e 13,7% daqueles sem religião.

Esse recorte da pesquisa foi um dos vários produtos de um painel que coletou semanalmente dados de 3.000 respondentes em 2020, o primeiro ano da pandemia. A intenção era medir as consequências desse acontecimento para a economia por causa da redução do consumo. O estudo sobre religião recebeu o título de "O surpreendente entusiasmo dos evangélicos" por causa da discrepância entre o otimismo de evangélicos em relação ao restante dos pesquisados.

Apesar da baixa escolaridade e também de terem, em média, renda menor que a de outros grupos, evangélicos são mais otimistas. Mais de 60% disseram ter "entusiasmo" em relação ao próprio futuro —contra 47,2% dos católicos, 45,3% dos sem religião e 46,3% dos adeptos de outras religiões. Felizmente o fenômeno do cristianismo evangélico é mais complexo e interessante do que simplificações desinformadas.

Nos anos 1990, o comediante norte-americano Bill Hicks, no espetáculo Revelations, criticava a imprensa por não contar histórias positivas sobre o consumo de drogas. "Que tal uma reportagem positiva," ele pergunta à audiência, "para basear a sua decisão em informação em vez de [usar] táticas de amedrontamento e superstição?". Em uma inversão curiosa, poderíamos hoje fazer a mesma pergunta, mas em relação à religião. Que tal uma história positiva para variar?

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