Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Juliano Spyer

Dar a outra face ao bolsonarismo

Para proteger igrejas, evangélicos moderados poderão tolerar a extrema direita

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Escrevi, na coluna anterior, que evangélicos moderados estão disputando o controle de suas igrejas com bolsonaristas. Mas eles escolheram fazer isso sem estimular a polarização, para reconstituir o tecido social nessas comunidades de fé. Em que medida essa postura ajuda a extrema direita a sobreviver nas igrejas?

Na semana passada, uma interlocutora que frequenta uma igreja batista me mandou uma mensagem indicando uma reflexão do pastor Israel Belo. Ela explicou que enviava aquele conteúdo para eu conhecer "um segmento evangélico mais saudável".

A fala do pastor indicado defende que "respeitar as opiniões dos outros implica em não desclassificar os que tomaram decisões que não sacramentamos. Quem pensa diferente não é ‘burro’, ‘alienado’, ‘incrédulo’, ‘ímpio’ ou ‘massa de manobra’".

Mas defesas da diversidade de perspectivas políticas convivem, nas mesmas igrejas, com decisões para afastar pastores que rejeitaram apoiar a candidatura do ex-presidente em 2022. O desligamento recente do secretário-geral da Convenção Batista do Estado de Pernambuco, pastor Edvar Gimenes, pode ser um exemplo disso.

O pastor presbiteriano Valdinei Ferreira nota como existe, nas igrejas, uma expectativa que aqueles que se aproximaram do bolsonarismo "reconheçam a roubada", afinal, "qualquer pessoa com dois neurônios poderia concluir que esse Governo [Bolsonaro] estava longe de representar com seriedade qualquer projeto de país".

"Mas sei que isso não resolve o problema", reconhece Valdinei, "porque continuam vivas as narrativas que levaram as pessoas a ver em Bolsonaro alguém que representava a visão de mundo cristã. Nesse sentido o problema não é Bolsonaro, mas a visão gerada dentro desse mundo teológico," ele conclui.

Presidente Jair Bolsonaro faz visita ao Tempo de Salomão, em São Paulo, na companhia do bispo Edir Macedo
Bolsonaro visita o Tempo de Salomão, em São Paulo, com o bispo Edir Macedo - Alan Santos/PR

"O movimento 'batista reformado' vem alcançando influência no meio batista, embora ainda esteja longe de ser uma unanimidade na denominação", avalia a socióloga e cientista política Carla Ribeiro Sales. "Mesmo que ainda dissonante nesse meio, o grupo dos ‘reformados’ flerta com a extrema direita, sobretudo quanto ao alijamento de mulheres."

Bolsonaro trouxe uma novidade para o cristianismo evangélico no Brasil. Antes dele, esse grupo repelia extremismos. "No passado, a igreja não votaria em candidatos da extrema esquerda, também não votaria em um extremista igual a Bolsonaro," reflete o pastor Alexandre Gonçalves da Igreja de Deus.

Evangélicos desencorajam o envolvimento de suas igrejas e lideranças com a política, mas, ao mesmo tempo, preferem candidatos de centro-direita. Por isso hoje essas organizações perseguem e punem quem se move para a esquerda, mas perdoam ou ignoram quem vai para o outro extremo.

Evangélicos moderados estão enfrentando o bolsonarismo pacificamente com a esperança de reviver um ambiente que protege a diversidade de visões sobre política nas igrejas. Mas, ao aceitar as condenações veladas a antibolsonaristas e ao tolerar bolsonaristas, eles incubam um problema que reaparecerá em breve.

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