Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Juliano Spyer

Para desbolsonarizar a fé

Cristãos moderados disputam controle de igrejas com o bolsonarismo

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Duas coisas aconteceram quando o pastor Guilherme de Carvalho publicou, no dia 10, uma crítica à relação entre evangélicos e o governo Bolsonaro. De um lado, veículos de notícia de esquerda rapidamente disseminaram o texto enquanto a esquerda evangélica bombardeava o autor nas redes sociais.

Por que a esquerda secular se entusiasmou com o texto de um evangélico conservador?

Não é todo dia que um pastor, teólogo e liderança da juventude admite publicamente que "dar uma chance a Bolsonaro foi um erro". E ele não é qualquer evangélico: fez parte do governo até o início da pandemia, atuando como diretor de promoção e educação em direitos humanos, subordinado à ex-ministra Damares Alves.

Guilherme fez seu mea-culpa reagindo aos ataques a Brasília no domingo retrasado. Para ele, "a esquerda enxergou melhor o desprezo do bolsonarismo pelas instituições e o perigo do nacionalismo religioso… Os cristãos evangélicos não deveriam ter apoiado Bolsonaro".

Representantes da esquerda evangélica não se convenceram com a autocrítica. Entre as mensagens publicadas nas redes sociais, lemos: "Agora tem maluco que trabalhou no governo [Bolsonaro] que quer parecer ponderado". Eles acham pouco o gesto de reconhecer o erro e querem que Guilherme se afaste de suas funções como pastor e liderança e seja punido "legalmente e divinamente" pelo "terror que vivemos com os fundamentalismos no Brasil".

Há uma disputa acontecendo a portas fechadas, em igrejas e organizações evangélicas, entre evangélicos por causa do bolsonarismo. Mas a esquerda evangélica não atua diretamente nela porque eles representam um grupo relativamente pequeno e estão, em geral, mais afastados de suas comunidades de fé por causa da polarização e da intolerância política.

Quem está disputando o controle das igrejas com o bolsonarismo são evangélicos moderados que, em outros contextos, votariam em candidatos de centro direita. São fiéis e lideranças que saíram de seus espaços de fé e que abraçaram a missão de manter o diálogo aberto com seus pares, para não entregar suas igrejas para a extrema direita.

O enredo dessa disputa lembra o dos filmes da saga "Guerra nas Estrelas". O Império atua de modo organizado contra a "rebelião" composta por combatentes reunidos por vínculos de afinidade, mas sem uma liderança que os represente.

O resultado dessa disputa afetará o país, porque as igrejas envolvidas —organizações históricas como a Batista e a Presbiteriana— controlam os seminários teológicos mais influentes do país. É nesses espaços que a elite evangélica se encontra, é formada e produz interpretações bíblicas que servem de referência para quem está na ponta, dentro das igrejas, conversando diariamente com fiéis.

Mas apesar da força do bolsonarismo nas igrejas, evangélicos moderados não estão pedindo ajuda. Um interlocutor que não quis ser identificado entende que o silêncio hoje é a melhor estratégia.

"Estamos no meio de um processo que irá se consolidar um pouco mais adiante," diz, mas reconhece que, em parte, os pessoas não sabem bem o que fazer. Enquanto isso, textos como o de Guilherme servem de bandeira para esse grupo se reconhecer e nos dar notícias de sua guerra.

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