Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Juliano Spyer

Evangélicos pretos levam a culpa pelo racismo religioso

Afirmar que evangélicos são racistas é o mesmo que dizer que brasileiros são racistas: correto, mas vago

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Quando pedi ajuda a uma colega antropóloga para falar sobre racismo religioso, ela respondeu: "Tema espinhoso". Mas como podemos falar desse assunto indo além da conclusão correta, mas vaga, de que "evangélicos são intolerantes"?

Na semana passada, a mãe de um estudante do ensino fundamental em Salvador vandalizou um exemplar do livro "Amoras", escrito pelo rapper Emicida. Entre outros comentários, contesta que orixás sejam deuses. "Eles são ídolos africanos", ela anotou em uma página, e "considerar ídolos como deuses é praticar idolatria".

Livro infantil do rapper Emicida é vandalizado por mãe de aluno com críticas às religiões de matriz africana
Livro infantil do rapper Emicida é vandalizado por mãe de aluno com críticas às religiões de matriz africana - Reprodução

A autora das anotações não indica sua religião. Ela pode ser cristã católica ou kardecista, mas interpretamos que ela seja crente. Por quê? E também: de quais tradições estamos falando: adventista, luterana, Renascer, presbiteriana, Assembleia de Deus ou outra?

No início dos anos 2000, Alexandre Gonçalves foi chamado de "pastor macumbeiro" por alguns pares ao ajudar a reconstruir um terreiro vandalizado no Rio. Ele diz que esses ataques têm origem em ambientes neopentecostais que, aderindo à Teologia do Domínio, entendem que devem combater outras expressões de fé.

É verdade que evangélicos em geral evitam se manifestar sobre esses casos —e, quem cala, consente. Ao comentar a vandalização do livro, Emicida desafiou evangélicos a expressarem sua indignação em suas igrejas. Mas mesmo essa atitude pode ser delicada.

A socióloga Mônica Ruiz, que é negra e evangélica, lembra que a maioria dos crentes é composta por pretos pobres. Ao culpar genericamente os evangélicos por esses atos, "caímos na narrativa de que o racismo brasileiro é culpa dos mesmos pretos que sofrem com essa opressão", argumenta.

Outro complicador: teologias pentecostais e neopentecostais dialogam com a religiosidade afro. O antropólogo Martijn Oosterbaan escreve sobre como os cultos da Igreja Universal incorporam referências a entidades espirituais do candomblé e da umbanda. O historiador Marcos Alvito examina como o banho de ervas dos cultos afros se torna o "sabão ungido" disponível para os fiéis.

Para o filósofo João Barros, da Unila, racismo religioso pode ser uma expressão do racismo de Estado, que persegue grupos considerados perigosos para a sociedade. Então, em que medida falar sobre evangélicos desvia a atenção de como o racismo é consequência de uma tradição do cristianismo, a europeia, que chega com a colonização? Também evangélica e negra, Jacira Monteiro é autora do livro "O Estigma da Cor". "Falta entendimento sobre a história cristã", explica. "O cristianismo chega à África antes de se estabelecer na Europa. O cristianismo, nesse sentido, também é uma religião de matriz africana."

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