Uma parte do mundo evangélico parou na semana passada para criticar a cantora Priscilla Alcântara. Ela foi acusada de dar mau exemplo para jovens crentes por se apresentar no Carnaval no trio elétrico de Ivete Sangalo.
O assunto pegou fogo quando o pastor Teo Hayashi, da Zion Church, repreendeu Priscilla publicamente. Para ele, a cantora cometeu "apostasia" —abraçar um modo de viver que não é o cristão— por seu comportamento supostamente inadequado.
O post recebeu muito mais aplausos do que críticas. Só no Instagram, em uma semana, mais de 175 mil curtiram a publicação.
Mesmo crentes politicamente progressistas, abertos à causa LGBT e que votam na esquerda, me disseram, de maneira constrangida, estarem de acordo com o pastor da Zion. "Um cristão com discernimento espiritual se afasta do carnaval, que é uma celebração dos frutos da carne - a sensualidade, o hedonismo, os excessos em busca de prazer e alegria," explicou um deles.
Mas a participação de Priscilla no carnaval foi também uma oportunidade para setores do campo evangélico lavarem roupa suja, inclusive relacionada à eleição do ano passado.
Por exemplo, o teólogo Caio Peres lembrou que Priscilla e o ex-presidente Jair Bolsonaro participaram do The Send, um evento internacional realizado por Hayashi. "Bolsonaro é responsável pela morte de milhares de brasileiros… Priscilla Alcântara cantou no trio elétrico da Ivete Sangalo. Quem Teo Hayashi se arrepende de botar no palco do The Send?"
Um amigo evangélico, que pediu para não ser identificado, percebeu no cancelamento a Priscilla aquilo que ele chama de "farisaísmo gospel", ou seja, a atitude de atacar o pecado de alguém para mostrar a própria virtude. Nos anos 1980 a banda de rock gospel Catedral viveu a mesma experiência por desejar, como Priscilla, produzir música para outras audiências.
O ataque a Priscilla também serve para evangélicos históricos, que são mais eruditos e tradicionalistas, expressarem seu desagrado por práticas consideradas oportunistas. Eles desaprovam, por exemplo, que igrejas neopentecostais como Renascer e Bola de Neve evangelizem durante a folia a partir de blocos cristãos.
Ao condenar Priscilla, uma parte dos evangélicos reafirma também a rejeição preconceituosa às tradições afrobrasileiras, suas religiosidades e expressões artísticas, ecoando o puritanismo estadunidense, que marca o protestantismo brasileiro.
Finalmente o que incomodou a antropóloga Jéssica Pinheiro, que cresceu na igreja batista, foi o machismo: "Ninguém faz vídeo criticando o guitarrista Mateus Asato, que é evangélico, e toca com estrelas pop internacionais como Bruno Mars".
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