Mãe de aluno rabisca livro de Emicida usando frases contra religiões de matriz africana

Escola de Salvador diz que fará a reposição da obra e que proposta pedagógica está atrelada ao direito da criança à diversidade cultural

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Curitiba

A mãe de um aluno de uma escola particular em Salvador escreveu mensagens com ataques a religiões de matriz africana e indicando salmos bíblicos em páginas do livro "Amoras", do rapper Emicida. O exemplar com as frases escritas à mão pela mulher circulou nesta segunda-feira (6) na "Ciranda Literária", da Escola Clubinho das Letras.

O caso foi revelado pelo G1 e pela TV Bahia. Em nota, a escola confirmou o episódio à Folha e disse que a mãe do aluno assumiu ter escrito as mensagens. A escola também informou que fará a reposição do livro vandalizado por um novo exemplar e que já marcou uma conversa com a mulher e sua família, "com a finalidade de promovermos um momento de reflexão a respeito da atitude em questão". O nome dela não foi divulgado.

Livro infantil do rapper Emicida é vandalizado por mãe de aluno com críticas às religiões de matriz africana
Livro infantil do rapper Emicida é vandalizado por mãe de aluno com críticas às religiões de matriz africana - Reprodução

Na "Ciranda Literária", cada aluno leva um ou dois livros comprados a partir de uma lista de sugestões feitas pela escola. Semanalmente, as crianças escolhem um título entre todas as opções para ler em casa.

"Uma família nos procurou sinalizando que o exemplar escolhido pela sua criança se encontrava com algumas anotações. Neste momento, ao tomar ciência do fato, a escola recolheu o exemplar para reposição (por outro igual), e agendou de imediato atendimento com a família que fez a compra do referido exemplar", diz a nota da escola.

No trecho em que o livro fala sobre Obatalá, o "orixá que criou o mundo", a mãe do aluno classifica a informação como falsa e cita o livro bíblico Gênesis, por exemplo.

Em outro trecho, o livro define África como "lugar onde a raça humana começou, e por isso, é conhecida como o berço da humanidade". A mulher, então, escreveu que "essa informação é falsa" e que "essas ideologias, com origens africanas, com base em religiões anticristã, é blasfêmia".

A Escola Clubinho das Letras afirma que, ao elaborar sua proposta pedagógica, o objetivo é "garantir o direito da criança de ter acesso à diversidade cultural, ampliando seus conhecimentos e aprendendo a respeitar as diferenças que fazem parte do convívio em sociedade".

Presidente da Comissão Especial de Combate à Intolerância Religiosa da OAB da Bahia e integrante do Idafro (Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras), a advogada Maíra Santana Vida disse à Folha que a situação merece ser investigada e lembra que a lei brasileira prevê reclusão de um a três anos e multa para quem "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional".

"O crime de ódio racial ou religioso pode ser gerado por ações diretas, explícitas, ou também por contribuição para a construção de um imaginário que seja racista ou intolerante. Então, o preconceito por si só já é criminalizado, de acordo com a legislação. E o preconceito por si só, a disseminação da ideia, não encontra guarida na livre manifestação do pensamento, na liberdade de expressão, que são direitos fundamentais também, mas há limites. Discurso de ódio não é liberdade de expressão", disse a advogada.

A reportagem também entrou em contato com o Ministério Público do Estado da Bahia, mas não houve resposta até a publicação do texto.

A Folha também procurou a assessoria do cantor e compositor Emicida, mas não houve retorno. Lançado em 2018 para crianças a partir de 4 anos, "Amoras" é o primeiro livro do rapper e tem ilustrações do artista gráfico Aldo Fabrini. Ao lançar a obra, Emicida, que é pai das meninas Estela e Teresa, explicou que tentava dar ferramentas para as crianças enfrentarem o racismo.

"Quando as crianças se depararem com o racismo na prática, elas vão estar um pouco mais fortalecidas. No momento que eu fui atacado pelo racismo na prática, na minha infância, eu não sabia reagir. E voltei para a minha casa acreditando que eu estava errado. Referências simples, mas que eu não tive. A gente precisa encontrar meios para chegar mais cedo na vida das pessoas", disse ele.

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