Recentemente, uma amiga crente me deu uma notícia extraordinária. Ela é evangélica da Assembleia de Deus, preta e pobre, alfabetizada tardiamente, e decidiu, aos 60 anos, parar de alisar seu cabelo e adotar um penteado afro.
Vejo nessa atitude um registro de como o debate racial tem se tornado presente em igrejas pentecostais, localizadas abundantemente nas periferias das cidades grandes do país. É nesses espaços que o cientista político Victor Araújo, autor de "A religião distrai os pobres?", notou uma concentração de eleitores conservadores que votam contra a esquerda.
Estamos falando de uma postura antirracista que brota entre evangélicos populares que rejeitam pautas progressistas. Mas eles frequentemente não veem contradição em condenar o racismo e continuar demonizando religiões de matriz afro.
Ao tratar o racismo como um "pecado social", autores conservadores teologicamente como Jacira Monteiro oferecem a evangélicos pretos e pardos um caminho narrativo para falar sobre a perpetuação do racismo em ambientes ocupados predominantemente por afrodescendentes. É uma rebeldia viável para contextos populares em que as pessoas dependem mais de redes de ajuda mútua presentes nas igrejas e se submetem mais a hierarquias familiares.
Evangélicos progressistas têm motivos para suspeitar de debates sobre o racismo que dão margem para que religiões de matriz afro continuem a ser demonizadas. E é desleal ignorar que teólogos conservadores como Jacira se projetam hoje também graças ao esforço de ativistas, artistas, teólogos e intelectuais combatidos por religiosos fundamentalistas.
Mas tendo a ver essa situação da mesma maneira com que pastores de igrejas tradicionais agem em relação a igrejas surgidas recentemente, como a Universal do bispo Macedo. Eles torcem o nariz para o culto espetaculoso, para a associação entre religião e prosperidade financeira, para as práticas de expulsão de demônios e curas milagrosas, e para manifestações extáticas como o falar em línguas e o reteté. Porém, evitam críticas públicas, compreendendo que essas igrejas são portas de entrada para a fé.
Dialogar com evangélicos progressistas é importante, mas insuficiente. A massa evangélica no Brasil, principalmente do Sudeste para cima, tem escolaridade baixa, é conservadora do ponto de vista moral e está vinculada a igrejas pentecostais. Eles começam a encontrar eco em suas comunidades de fé para indagar, por exemplo, por que tantos pastores negros se casam com mulheres brancas. É um ponto de partida para falar de racismo onde o debate intelectual não chega.
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