Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

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Katia Rubio

Luta das mulheres pela igualdade de condições no esporte persiste

Às vezes velada, ela segue porque ser mulher implica existir, não só sobreviver

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Ser é um verbo irregular, intransitivo e predicativo. Implica identidade, particularidade. É um conceito fundamental associado à existência de algo. Tudo o que existe é ser. Ser é o poder de existir.

Ser mulher implica existir como alguém capaz de resistir a papéis sociais historicamente construídos e compartilhados. Sou uma pacifista declarada, muito embora a vida não me tenha poupado de embates que efetivamente me fazem questionar se a paz é uma utopia ou uma ficção.

No último final de semana, comecei a ler o livro “Resistência – A História de uma Mulher que Desafiou Hitler”, de Agnès Humbert. São as memórias de uma historiadora francesa que trabalhava no Museu do Homem de Paris quando os alemães invadiram a cidade durante a 2ª Guerra Mundial.

Enquanto Charles de Gaulle, sediado na Inglaterra, convocava os franceses a resistirem e enfrentarem os nazistas, Agnès e seus colegas de trabalho fizeram aquilo que estava ao seu alcance: enfrentaram os usurpadores usando suas habilidades como pensadores para produzir ideias e convocar os franceses a não aceitarem a violência que ocorria em seu país.

Passado um ano de atividade, o grupo foi descoberto após a denúncia de um espião. Os homens do grupo foram fuzilados, e ela, a única mulher, foi condenada a um campo de trabalhos forçados onde ficou por quatro anos.

Suas memórias, enquanto ainda trabalhava no museu, foram escritas em um diário, e a fase da prisão foi posteriormente registrada e publicada como livro. O relato inicial é quase informativo, descreve o choque seguido de apatia e inércia diante da agressividade do invasor.

A fase da prisão é marcada por uma narrativa impressionista na qual transborda a dor pela ausência da liberdade, mas também o modo de enfrentamento, desenvolvido para sobreviver à barbárie.

E então é possível observar que a fraternidade, a compaixão, a solidariedade não são discursos construídos para justificar a análise de situações trágicas, mas sentimentos que efetivamente nos humanizam e fazem a esperança brotar mesmo nos momentos de maior desespero e agonia.

O prefácio de Marina Colasanti traz mais tempero a essa discussão. Lá está: “As mulheres sempre perdem a guerra. Não a querem, mas a perdem. Perdem quando estão no caminho dos exércitos e se tornam botim. Perdem quando batalham em silêncio nas cidades esvaziadas dos seus homens, para manter sólida a retaguarda e conservar a ordem do país. Perdem quando recebem seus homens num caixão ou quando eles voltam com o equilíbrio despedaçado”.

Sem exageros, vejo isso também acontecer no esporte. Excluídas no princípio com base na moral vitoriana e na ciência falocêntrica, as mulheres no esporte foram também vítimas de uma guerra não declarada e que refletiu década a década, as tensões vividas em outras esferas da sociedade.

A primeira edição olímpica foi o marco de uma exclusão que nunca mais se repetiu. E os números provam que, diante de condições dignas de treinamento e do mínimo de apoio, o espetáculo protagonizado pelas mulheres pode ser tão atrativo e levar tanto público aos estádios quanto as competições masculinas. A beleza do espetáculo não está em ser feminino ou masculino, e sim na qualidade do gesto técnico e do nível de competitividade.

A luta das mulheres pela igualdade e equidade de condições no esporte persiste. Às vezes velada, silenciada, invisibilizada, ela segue, porque ser mulher implica existir, não apenas em sobreviver.

As ginastas medalhistas Simone Biles (centro), Alexandra Raisman (esq.) e Amy Tinkler no pódio da Rio-2016
As ginastas medalhistas Simone Biles (centro), Alexandra Raisman (esq.) e Amy Tinkler no pódio da Rio-2016 - Mike Blake - 16.ago.16/Reuters

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