Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

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Katia Rubio
Descrição de chapéu Tóquio 2020

No vácuo das jovens modalidades está o discurso da diversidade, da equidade e da inclusão

Todas essas expressões esportivas agregadas aos Jogos têm a cara do novo, do arrojado

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O mundo da fantasia é fundamental para lidar com a dureza da vida desde que o princípio da realidade determina nossas ações. Alguns artistas são mestres em dar forma a toda sorte de produção mental, criando assim o chamado imaginário. Seja como um conto ou uma ilustração, as imagens de seres protetores ou vingadores estão presentes desde muito cedo em nossas vidas.

Um dos monstros a assolar o Movimento Olímpico nas últimas décadas foi o crescente desinteresse pelas modalidades centenárias do programa dos Jogos. Sisudas, inflexíveis, repletas de normas cavalheirescas criadas há dois séculos, transmitiam a imagem de um ancião que, preocupado com a senilidade, era também incapaz de se renovar. Sua alma ainda estava guardada numa sociedade na qual tanto o esporte como a escola eram coisas de meninos.

Renovar não é nada fácil. Significa renunciar àquilo que está estabelecido e enfrentar o desconhecido que o novo sempre traz. Daí o desejo de proteção. Para isso servem as fadas e os anjos.

O COI inovou ao trazer para o programa olímpico o skate, o surfe, a escalada e o BMX park. Todas essas expressões esportivas têm a cara do novo, do arrojado. A juventude estava conquistada! Da urbanidade periférica do skate, passando pelo contato com a natureza do surfe ao desafio mágico da escalada, foi possível atrair o público que estava entediado com “o de sempre”. Não bastasse isso, no vácuo das jovens modalidades está o discurso da diversidade, da equidade e da inclusão.

Mulheres e meninas cis e não binárias invadiram a pista do skate street. Elas se vestem sem biquínis ou shorts que desloquem o olhar de suas performances para corpos sexys. O melhor modelito é aquele que faz bem ao movimento que se quer executar. Liberdade é a palavra de ordem. Finalmente há banheiro feminino nas competições.

Para coroar essa conquista, uma garota brasileira sobe ao pódio. Rayssa Leal, irreverente, moleca, livre e espontânea, carrega a imagem da fada skatista que um dia foi.

Do alto de seus 13 anos, enfrentou a competição se divertindo. Discurso criado para enfrentar os desafios do momento ou atitude já incorporada desde os tempos de menina, ela se fez gigante junto com outras duas meninas, cujos capacetes denunciavam a idade que têm. Depois do pódio olímpico, espero que mantenha toda essa leveza sob o peso da imagem da guerreira que agora passa a carregar.

Mas o imaginário das novas modalidades não termina aí.

Das mitologias dos povos que dividem o mar surgem entidades que justificam muitas narrativas. Dele provém o alimento e as rotas de transporte e comércio. Na Grécia, Ulisses só foi capaz de retornar a Ítaca para encontrar Penélope depois de enfrentar Poseidon e sua ira.

No Japão xintoísta o imaginário se repete com Urashima Taro, um jovem pescador que salva na praia uma tartaruga maltratada por meninos cruéis. No dia seguinte, ao sair para pescar, encontra novamente a tartaruga, que o convida a visitar o Palácio do Dragão, nas profundezas do mar.

Mesmo temeroso, Urashima se permite conhecer aqueles mistérios e, ao chegar ao palácio, descobre que a tartaruga salva era de fato a princesa Otohime.

Foi talvez acreditando na força desse imaginário que o Japão aceitou realizar o surfe no mar e não em uma piscina com ondas. Lidou com o imponderável do mesmo mar que produziu um tsunami e proporcionou o ambiente para que o monstro Italo Ferreira traga a primeira medalha de ouro de Tóquio-2020. Afinal, o mesmo mar de Poseidon e da princesa Otohime também abriga a nossa Iemanjá. Odoyá.

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