Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

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Katia Rubio

Mulheres que experimentaram esporte no Afeganistão precisam de resgate

Já se sabe quais serão as maiores vítimas de um grupo político que não é novo

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Só mesmo o parnasiano Olavo Bilac, o “príncipe dos poetas brasileiros”, para escrever um poema como “A Pátria”. O primeiro verso é mais ou menos assim: “Ama com fé e orgulho a terra em que nasceste. Criança! Não verás nenhum país como este”! Lembro de na minha infância sabê-lo de cor.

Publicado em 1904, esse poema fazia parte de um projeto ideológico de um Brasil que acabava de se declarar república. No melhor estilo liberal da época, canta a potência de uma nação rica em recursos naturais e conclama seus concidadãos e trabalharem por ela.

Pensei nele em função do inegável nacionalismo que os Jogos Olímpicos suscitam. Não era para ser assim, afinal Pierre de Coubertin desejava criar um movimento completamente autônomo das políticas nacionais que levavam à guerra. Em vão. Logo depois da Primeira Guerra Mundial, atletas mundo afora já não podiam mais competir sem que estivessem atrelados à complexa estrutura esportiva/olímpica internacional.

Para regozijo de muitos, esse engessamento não suportou a onda de deslocamentos nacionais vividos em função de diferentes conflitos no contemporâneo. Daí a criação da delegação dos refugiados, concessão a pessoas que já são obrigadas a lidar com a fuga e o desterro.

Delegação dos refugiados é concessão a pessoas que já são obrigadas a lidar com a fuga e o desterro - Jackson Njehia - 7.jun.21/Reuters

E a equação participação x pertencimento permanece sem resultado final passado mais de um século. Fato é que, politizados ou não, atletas de todo o mundo são levados a ter uma relação patriótica com a camisa que vestem. É comum nas grandes competições oferecer medalhas aos três primeiros lugares, mas apenas aos vencedores a entoação do hino nacional do país. E é nesse momento que costumamos assistir a imagens de pura emoção.

Já ouvi de muitos atletas que chegaram a esse lugar a expressão “e ali passou um filme da minha vida”. Nesse vídeo, quase sempre, estão as imagens dos obstáculos e das necessidades. Pessoas, lugares e situações que poderiam ter interrompido uma trajetória que teve um final feliz. E os símbolos nacionais parecem ter o poder de disparar esse turbilhão de afetos.

Penso nessas questões em função dos fatos recentes do Afeganistão. A chegada ao poder do grupo fundamentalista e nacionalista islâmico Talibã desperta a dúvida sobre como será a vida de crianças e adolescentes, principalmente meninas e mulheres, que experimentaram por alguns anos os ventos frescos da liberdade e puderam praticar esporte.

A equipe olímpica afegã chegou a participar dos Jogos de Tóquio. Os cinco atletas, quarto homens e uma mulher, não subiram ao pódio, mas puderam desfilar na abertura e no encerramento dos Jogos, atrás de sua bandeira, com o mesmo orgulho das crianças de Bilac, tenho certeza. Esses símbolos conferem identidade nacional, ainda mais diante do mundo, colonizado, dominado, destruído por nações que fazem tudo isso em nome de alguma coisa.

Kamia Yousofi defendeu o Afeganistão em Tóquio - Giuseppe Cacace - 30.jul.21/AFP

Reflexo da cultura local, havia apenas uma mulher na delegação. E na condição de refugiadas duas mulheres puderam competir, uma no atletismo e outra no ciclismo, demonstrando a importância da flexibilização das normas para maior inclusão. Certamente serão as mulheres as maiores vítimas de um grupo político que já não é novo. Infelizmente, a equipe paraolímpica nem conseguiu ir a Tóquio.

Assim como no filme “A caminho de Kandahar” uma mulher volta ao Afeganistão para tentar salvar a irmã que promete se suicidar caso não consiga se libertar da opressão em que vive, espero que haja uma ação efetiva de resgate de mulheres que experimentaram o gosto pelo esporte e pela liberdade. Ainda que amem a terra em que nasceram.

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