Saiba como jornais americanos retiraram seus repórteres do Afeganistão

Veículos como New York Times e Washington Post mantinham mais de 200 colaboradores no país

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Michael M. Grynbaum Tiffany Hsu Katie Robinson
Nova York | The New York Times

Com filhos, malas e carrinhos de bebê a reboque, eles aguardaram horas na pista de pouso sob o calor implacável, na esperança de um voo para a liberdade que não chegava. Mais de 200 afegãos de todos os setores e profissões —cozinheiros, jardineiros, tradutores, motoristas, jornalistas— se reuniram na pista do aeroporto de Cabul, buscando uma maneira de escapar de um país cujo governo desabara com rapidez chocante.

Quando forças do Talibã invadiram o aeroporto superlotado, o grupo —formado por funcionários locais de The New York Times, The Wall Street Journal e The Washington Post, além de seus familiares— ouviu disparos. As pessoas se dispersaram rapidamente e acabaram voltando para suas casas, onde sua segurança não era garantida.

Levaria vários dias até alguns integrantes do grupo conseguirem sair do Afeganistão, na última quinta-feira (19). A fuga furtiva se deu após um esforço global que se estendeu de Redações nos EUA e salões do Pentágono, chegando ao palácio do emir no Qatar. Um correspondente do NYT, antigo fuzileiro naval americano, que fora evacuado mas retornou para auxiliar seus colegas afegãos, permaneceu no aeroporto para ajudar a coordenar a fuga.

Multidão aglomerada do lado de fora do aeroporto de Cabul vê cargueiro militar decolar retirando pessoas do país nesta sexta (20) - Jim Huylebroek - 20.ago.21/The New York Times

Com a deterioração da situação no Afeganistão nos últimos dias, os publishers de NYT, WSJ e Washington Post uniram esforços para retirar seu pessoal. Funcionários de segurança e editores compartilharam informações em telefonemas matinais. Os publishers apelaram à administração Biden por ajuda, e seguiram-se discussões com a Casa Branca, o Pentágono e o Departamento de Estado.

No domingo (15), as sucursais já haviam sido fechadas, e a situação nas ruas de Cabul se tornara caótica. Enquanto tropas, funcionários terceirizados e equipes de segurança americanos deixavam o país, funcionários das Redações tinham cada vez menos informações sobre a situação em campo. Funcionários afegãos temiam que as forças do Talibã fossem de porta em porta, intimidando ou até sequestrando jornalistas que sabidamente haviam trabalhado para veículos americanos.

Os militares dos EUA haviam garantido a segurança em uma parte do aeroporto internacional Hamid Karzai, mas chegar a ele e ter acesso ao terminal tornou-se quase impossível. No domingo, o grupo de mais de 200 pessoas ligadas aos três jornais, incluindo funcionários e seus familiares, foi até a pista do aeroporto, na esperança de fazer contato com militares americanos. O relato é de três pessoas informadas sobre o que aconteceu, algumas das quais pediram anonimato.

Em vez disso, o grupo se deparou com um cenário de caos, com centenas de outros afegãos em pânico procurando refúgio. Quando chegaram forças do Talibã, a situação ficou ainda mais perigosa. Membros do grupo partiram, com sede, com fome, sem ânimo e sem uma ideia clara do que ocorreria a seguir.

Uma opção se delineou quando a ex-secretária de Estado Hillary Clinton ofereceu a funcionários afegãos alguns lugares em um voo fretado que sua equipe estava tentando organizar para ajudar mulheres afegãs em risco, segundo pessoas pessoas informadas sobre as discussões. Os funcionários acabaram não partindo no voo.

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Na terça (17), 13 pessoas do Washington Post, incluindo dois funcionários afegãos, seus familiares e um correspondente americano, puderam embarcar num avião militar americano com destino ao Qatar, com a ajuda de “uma série de pessoas que se coordenaram em frentes diferentes”, segundo a porta-voz Kristine Coratti Kelly.

Fred Ryan, publisher do Post, havia enviado um email ao assessor de segurança nacional Jake Sullivan solicitando ajuda.

Três correspondentes do Wall Street Journal haviam saído do Afeganistão até a terça-feira, e o jornal continuava a trabalhar para retirar dezenas de funcionários afegãos. Um porta-voz disse na quinta (19) que haviam sido feitos avanços positivos. "Nossos colegas estão a caminho de sair em segurança.”

Um grande passo adiante surgiu para um grupo de 128 pessoas do NYT quando o governo do Qatar, país com vínculos tanto com o Afeganistão quanto com os EUA, concordou em ajudar. O Qatar sedia uma base militar americana; além disso, possui embaixada em Cabul e tem um relacionamento com líderes do Talibã.

Assinaturas dos publishers de WP, WSJ e NYT pedindo ajuda ao governo para retirada de profissionais do Afeganistão - Reprodução

A.G. Sulzberger, publisher do New York Times, disse que a empresa está profundamente grata ao governo do Qatar, que prestou ajuda “verdadeiramente inestimável para colocar nossos colegas afegãos e suas famílias em segurança”.

Ao longo da noite de quinta, funcionários do NYT e familiares fizeram outra tentativa de ir ao aeroporto. Barrado pela multidão e por guardas em um posto de controle do Talibã, o grupo acabou encontrando um ponto de entrada aberto.

O grupo foi auxiliado por dois correspondentes do NYT no exterior, Mujib Mashal e Thomas Gibson-Neff —o ex-fuzileiro naval que retornou a Cabul e permaneceu na ala do aeroporto ocupada pelos EUA, de onde orientou colegas afegãos sobre como e quando tentarem chegar.

Os passos seguintes adotados pelas organizações de mídia não estão claros. Para os correspondentes de língua inglesa que permanecem em Cabul, a situação em evolução ficou ainda mais perigosa.

“As pessoas agora agirão de modo muito mais clandestino para obter notícias, porque serão obrigadas a isso”, comentou John Lippman, diretor interino de programação da emissora Voz da América. “Vamos cobrir o Afeganistão a partir de fora do Afeganistão, se for preciso.”

Uma organização de mídia aumentou sua equipe no Afeganistão: a rede de mídia e televisão Al Jazeera, sediada no Qatar.

Mohamed Moawad, editor-executivo da rede, disse nesta semana que seus correspondentes estão conseguindo deslocar-se dentro do Afeganistão, na maioria dos casos sem restrições, e que ele despachou mais repórteres ao país, incluindo alguns que partiram de Doha e de países vizinhos.

Um correspondente veterano no Afeganistão ajudou a rede a conseguir imagens exclusivas do Talibã assumindo controle do palácio presidencial.

“Concentrar o foco sobre o Afeganistão nesse momento é vital e crucial para o povo do Afeganistão, para cobrar dos talibãs o cumprimento das promessas que eles puseram sobre a mesa”, diz.

Tradução de Clara Allain

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