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O drama da migração centro-americana

Obstáculos impostos para tentar conter a maré humana só têm aprofundado o sofrimento dos migrantes

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Jahir Dabroy

Professor e pesquisador da Escola de Governo da Guatemala e doutor em administração pública e políticas públicas pelo Instituto Nacional de Administração Pública (Inap)

Na América Central, oito em cada dez pessoas estão sofrendo de uma grave crise de insegurança alimentar e estão à beira da extrema pobreza, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura.

Além disso, devido à sua localização geográfica, o istmo é uma das áreas mais propensas a desastres naturais como terremotos, atividade vulcânica, transbordamento de rios e furacões como Eta e Iota, que em novembro, há apenas cinco meses, devastaram grandes áreas da região, deixando mais de 200 pessoas mortas e mais de meio milhão de desalojadas.

Se acrescentarmos a isso os níveis extremamente elevados de corrupção, o narcotráfico e a violência indiscriminada do crime organizado, temos um terreno ideal para uma diáspora humana sustentada e recorrente.

Esses movimentos maciços de pessoas, que têm sido o motor da economia americana nas últimas décadas, estão agora afetando os interesses políticos da potência do Norte. Mas os obstáculos que têm sido impostos para tentar conter a maré humana só têm aprofundado o sofrimento dos migrantes.

Apesar disso, os centro-americanos continuam fugindo de seus países de origem, especificamente Honduras, Guatemala e El Salvador.

Segundo as autoridades estadunidenses, mais de 100 mil pessoas foram presas na fronteira sul no último mês, com um aumento de famílias e crianças desacompanhadas em relação ao mês anterior.

A migração dos nicaraguenses para a Costa Rica tem suas próprias particularidades, mas é de tal magnitude que superou a capacidade de resposta institucional costa-riquenha.

O pequeno país também deve lidar com a transmigração de pessoas provenientes da América do Sul, da África e da Ásia, que em número relativamente menor do que os centro-americanos também tentam chegar aos EUA.

Em contrapartida, as remessas dos migrantes fortalecem as economias da região, muitas vezes até ultrapassando setores como a indústria. Como exemplo, na Guatemala as remessas representam 14,6% do PIB, em Honduras, 23%, em El Salvador, 20%, e na Nicarágua, 13,4% (dados de 2020).

Que governo estaria interessado em resolver genuinamente o problema da migração se ele sustenta economias pobres?

Além disso, os sistemas bancários são fortalecidos, o que proporciona alguma sustentabilidade para as economias nacionais.

Migrantes da América Central caminham de El Paso para Ciudad Juarez (México) ao serem expulsos dos Estados Unidos
Migrantes da América Central caminham de El Paso para Ciudad Juarez (México) ao serem expulsos dos Estados Unidos - Herika Martinez - 29.mar.2021/AFP

A cooperação internacional não tem funcionado

A região não tem sido estranha aos esquemas de ajuda e cooperação internacional.

O Plano Aliança para a Prosperidade, lançado em 2014 pelo governo Obama, que buscava conter a migração de pessoas do norte da América Central, fracassou miseravelmente.

Uma das principais razões foi a falha em levar em conta o que todos os programas básicos de política pública ensinam: "Os afetados devem estar envolvidos na concepção de soluções e devem definir seu problema público".

Embora a versão oficial dos países da América Central fale de um interesse em incorporar as comunidades nos planos, o interesse genuíno veio dos EUA.

No entanto, o projeto foi feito a partir dos escritórios, sem conhecer o terreno e até mesmo, em alguns casos, por governos autoritários, corruptos e violadores dos direitos humanos, respaldados inclusive pelos Estados Unidos.

Os resultados são evidentes. Os projetos que foram implementados não transformaram minimamente a qualidade de vida das pessoas. Em vez disso, inflou os bolsos de muitos políticos e diretores de ONGs aos quais nada mais foram solicitados do que relatórios técnicos ou financeiros, em vez de avaliações de impacto.

O caminho para o 'sonho americano'

No entanto, para as novas autoridades americanas torna-se essencial dar uma solução urgente e contundente ao problema, com a particularidade do discurso democrático de respeito aos direitos humanos.

Isso é uma prioridade devido às montanhas de relatos de migrantes perseguidos ou mortos no seu caminho para o norte por gangues criminosas.

Nos últimos tempos, até mesmo as próprias autoridades de imigração mexicanas têm sido acusadas de estarem ligadas a esses crimes.

Em janeiro deste ano, 19 pessoas, em sua maioria de origem guatemalteca, foram brutalmente assassinadas e queimadas até a morte em Camargo, Tamaulipas.

As investigações ligam o pessoal da polícia estadual e os agentes do Instituto Nacional de Migração aos eventos.

Essas atrocidades fazem parte da pressão que as autoridades mexicanas sofrem para limitar a passagem dos centro-americanos que procuram chegar ao território estadunidense.

Como alternativa a essa travessia arriscada, muitos migrantes que fogem da América Central estão escolhendo o México como seu destino, como a Rede de Documentação das Organizações Defensoras de Migrantes tem apontado em seus relatórios.

Em sua estratégia para abordar o problema de forma estrutural, Joe Biden nomeou recentemente sua vice-presidente, Kamala Harris, para levar adiante os planos de mitigação da migração.

A vice-presidente, uma ex-procuradora geral da Califórnia, conhece o terreno e as questões de segurança, justiça, inteligência, defesa e relações diplomáticas.

Mas, para que o novo esforço valha a pena, a Kamala Harris deve prestar atenção especial à pobreza que assola a região.

Migrantes olham através de cerca na fronteira dos EUA com o México, em Tijuana
Migrantes olham através de cerca na fronteira dos EUA com o México, em Tijuana - Guillermo Arias - 27.mar.2021/AFP

Não percamos tempo e recursos descobrindo a pólvora.

As pessoas migram irregularmente, colocando suas vidas em jogo, se não têm nada para comer. E para reverter isso é necessário gerar mudanças que fortaleçam as instituições estatais.

A região deve melhorar seus indicadores para a educação, acesso à saúde e segurança em todos os sentidos da palavra, incluindo a segurança pública, social e alimentar.

Também é essencial fortalecer os sistemas judiciais –entre outras coisas para mitigar a impunidade– e os sistemas partidários, que atualmente estão enfraquecidos e extremamente vulneráveis à corrupção, em um contexto em que o fluxo de dinheiro proveniente do tráfico de drogas e das gangues de jovens contamina tudo.

A chamada "força-tarefa regional anticorrupção" que o governo dos EUA quer realizar deve considerar as questões básicas que levaram a América Central a se tornar uma máquina migratória que expulsa milhares de pessoas todos os dias.

É hora de chamar as coisas pelos nomes e tentar recuperar o presente e o futuro de cerca de 37 milhões de habitantes, que veem de longe a águia careca como sua salvação.

Tradução de Maria Isabel Santos Lima

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