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O desafio peruano: presidentes vs. parlamentares

Fraqueza parlamentar pode transformar os poderes do Congresso em instabilidade

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Xavier Rodríguez Franco

Cientista político, produtor do podcast Latinoamérica21 e mestre em Estudos Latino-Americanos pela Universidade de Salamanca

Em poucos países da região, o esquema de governança depende tanto da atividade parlamentar como no Peru. Tanto por causa de seu projeto constitucional quanto pela acentuada fragmentação política que o país está experimentando, o Congresso da República tem sido o epicentro das diferentes crises políticas que a nação tem vivido em sua história recente.

Em uma região com sistemas de governo marcadamente presidenciais, é notável o forte protagonismo que o parlamento tem desenvolvido no Peru. Seus poderes parlamentares, além de controlar a gestão do Poder Executivo, na prática têm seguido um padrão aberto de obstrução, especialmente antes e depois da renúncia do ex-presidente Pedro Pablo Kuczynski em março de 2018.

Desde então, o Parlamento —unicameral— tem sido o principal obstáculo para a administração presidencial dos três últimos presidentes interinos. Em setembro de 2019, o primeiro deles, Martin Vizcarra, anunciou a dissolução do parlamento por decreto presidencial, devido às restrições para formar o gabinete ministerial. Desta maneira, ele convocou uma eleição legislativa extraordinária para formar uma representação parlamentar também interina até julho de 2021, data quando deveria começar a legislatura recém-eleita.

Desde então, a desconfiança mútua e sistêmica entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário é a principal característica do sistema político peruano.

A MINORIA PARLAMENTAR PERMANENTE

A recente eleição reduziu as duas maiores bancadas da oposição —Fuerza Popular e Nuevo Perú— e fragmentou ainda mais a distribuição de cadeiras em relação à legislatura anterior, quando ocorreu o maior confronto institucional das últimas décadas. Duas destituições, três presidentes interinos, vários ciclos de protestos e até mesmo um episódio de repressão policial nas ruas. Estes últimos eventos ocorreram durante a pandemia com o agravante de uma deficiente gestão sanitária que colocou o Peru como a nação com a maior quantidade de vítimas mortais por Covid-19 a cada 100 mil habitantes na América Latina.

Dada esta situação delicada, as eleições gerais de 2021 representam uma dificuldade adicional. Independentemente de quem for eleito, o novo presidente terá que lidar com um padrão de ingovernabilidade parlamentar semelhante ao dos últimos anos. De acordo com os resultados, Perú Libre, partido que apoia a candidatura de Pedro Castillo, ganhou 37 lugares. Entre ambos, eles não atingem a metade dos 130 assentos, sendo o restante distribuído entre oito partidos minoritários.

Este novo contexto prevê uma continuidade de fragmentação entre as bancadas e uma administração presidencial com pouco apoio do Poder Legislativo. A isto se soma a fragmentação do eleitorado, o acentuado colapso dos índices econômicos e o inegável descontentamento dos cidadãos com a classe política como um todo.

Segundo o cientista político Martín Tanaka, “nos últimos anos nos acostumamos a ver esta política maximalista, tratada com grande irresponsabilidade, o que criou este confronto permanente entre o parlamento e o executivo”. Para o professor da Pontifícia Universidade Católica do Peru, “esse confronto foi o que levou à renúncia de Kuczynski, ao fechamento do Congresso, à vaga de Vizcarra, e isso resultou em conflitos permanentes”. Isto inclui o breve e instável governo interino de Manuel Merino —com apenas cinco dias de mandato— e o atual presidente Francisco Sagasti.

AS MUDANÇAS NA LEGISLAÇÃO ELEITORAL

As recentes mudanças nas regras eleitorais significaram que todos os partidos são obrigados a participar das eleições a fim de evitar o risco de desaparecimento. De acordo com esta regra, o registro dos partidos que não participam consecutivamente de duas eleições gerais a partir de 2016 seria cancelado. O resultado se refletiu na fragmentação do arco parlamentar resultante das recentes eleições.

A maioria dos agrupamentos parlamentares tem agora poucas possibilidades de legislar e uma notória indisciplina partidária. Isto torna difícil gerar consenso e cria maiorias frágeis no plenário, o que acaba comprometendo a própria governabilidade do sistema político.

Em um sistema democrático, a autonomia parlamentar é sempre necessária, pois é o principal mecanismo para equilibrar a gestão governamental. Na verdade, qualquer sistema político deve preservar sua governabilidade, mesmo quando o parlamento tem uma maioria adversa ao presidente. Entretanto, a incorporação de medidas eleitorais que aumentam a fragmentação da representação parlamentar pode levar, na prática, a dissolver o significado político desta importante contenção democrática.

Esta fraqueza parlamentar pode acabar transformando os poderes constitucionais de controle democrático que o Congresso tem em um instrumento de vingança e instabilidade política. E, desta forma, acaba minando a capacidade de resposta do governo e estimulando o descontentamento social, algo extremamente perigoso em um contexto pandêmico como o que a região está sofrendo. Esta é, infelizmente, a situação atual no Peru, independentemente de Castillo ou Fujimori vencer no segundo turno.

Pedro Castillo e Keiko Fujimori em debate de candidatos a presidente do Peru - Sebastian Castaneda - 30.mar.21/Pool/Reuters

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