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Quem é o dono do subsolo? O Peru e a cirurgia constitucional

É necessário propor uma solução para o problema histórico da propriedade da terra camponesa e indígena

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A reforma constitucional, aspecto central da campanha do candidato eleito Pedro Castillo, ratificada em declarações recentes, é, porém, à luz da mobilização dos setores opostos (principalmente baseados na capital) uma ideia impraticável ou, pelo menos, que possui um custo muito alto. Portanto, o novo governo enfrenta um desafio chave: se deve ou não implementar a convocação de uma Assembleia Constituinte para reformar a constituição.

Esta discussão está enquadrada no debate sobre o fracasso das políticas extrativas aplicadas durante os últimos 30 anos, que não trouxeram nem benefícios econômicos nem sociais para as populações em torno dos projetos de mineração na serra, nem para os projetos de gás e petróleo na selva. Diante deste cenário, poderia uma mudança constitucional realmente contribuir para uma distribuição mais equitativa dos recursos?

O MODELO ECONÔMICO DO PERU

Grande parte do modelo econômico peruano se baseia nas reformas implementadas no início dos anos 1990. Durante o governo Fujimori, a “Lei de Reforma Agrária”, aprovada durante o governo Velasco Alvarado (1968-1972) foi revogada e foram introduzidos mecanismos de mercado que encorajaram a agricultura privada de exportação, o que produziu um retorno considerável para a economia. Esta política, entretanto, concentrou a riqueza em poucas mãos e gerou maior exclusão econômica e social nas comunidades afetadas devido à falta de acesso a mecanismos de crédito e tecnologia.

Nesses anos também foram introduzidas reformas que liberalizaram a venda e comercialização de terras, incluindo as terras devolvidas através da reforma agrária, ignorando as condições das comunidades camponesas e indígenas. Na verdade, foram introduzidos requisitos adicionais para acesso ao crédito que acabaram beneficiando um pequeno setor formal da economia. Essas leis, juntamente com a definição constitucional de que parte das terras camponesas e indígenas “não utilizadas”, deve ser devolvida ao Estado para “venda”, levaram à exclusão do mercado de quase 600 mil camponeses e povos indígenas.

A PROPRIEDADE DO SUSBOLO

Outra das reformas pró-mercado implementadas foi a que assumiu todos os recursos naturais como patrimônio da nação, incluindo a propriedade do subsolo. Desta forma, as elites que governaram durante as últimas três décadas se apropriaram dos recursos extrativistas, entregando-os em concessão, enquanto excluíam as comunidades que habitavam os territórios onde eles estavam localizados.

Não é coincidência que em maio deste ano os conflitos por terra, mineração e exploração de petróleo tenham representado mais de 70% --124 de 191-- de todos os conflitos, de acordo com a Defensoria do Povo. Este é um dos principais problemas do país que, se não for resolvido através da formulação de novas políticas, poderá levar a uma ingovernabilidade contínua.

Neste contexto, há várias frentes pressionando o presidente eleito a realizar sua proposta de mudança constitucional. Seu próprio partido, o Peru Livre, bem como sua bancada, o pressionam publicamente para não se desviar de sua ideologia original. Mas, por outro lado, há uma oposição crescente que vê a mudança constitucional com suspeita como uma medida para se perpetuar no poder. Portanto, a fim de evitar um confronto que poderia comprometer a própria continuidade do governo, é necessário propor uma solução realista para o problema histórico da propriedade da terra camponesa e indígena.

O modelo atual determina que é o Estado que deve fornecer serviços públicos aos povos e comunidades indígenas cujos recursos são explorados através de concessões. Mas desde Lima, as comunidades são culpadas por “obstruir o investimento privado”. Além disso, as comunidades não possuem as ferramentas legais para obter receitas diretas da exploração de seus recursos, muito menos para participar como empreendedores nesta atividade. E os royalties estão longe de serem ferramentas reais para o fortalecimento das comunidades, já que são simples repasses de dinheiro, mas não as tornam participantes do negócio.

O problema básico continua sendo a estrutura legal que não permite às comunidades realizarem transações econômicas de compra e venda, nem obterem renda direta com a exploração de seus recursos. O Peru apresenta grandes brechas na construção de um mercado sólido e no fomento da riqueza, o que contrasta com o que acontece em alguns países desenvolvidos com presença de comunidades indígenas. No Canadá e nos Estados Unidos, as comunidades indígenas são as proprietárias dos recursos e como tal podem negociar diretamente com o Estado ou com empresas multinacionais e receber compensação direta pelo uso de seus recursos.

À medida que a discussão constitucional se aproxima, o novo governo deve encontrar soluções viáveis. Seja através de uma nova Constituição, algo que parece distante, ou através de uma “cirurgia” constitucional, que poderia ter amplo apoio. É evidente que este tipo de “cirurgia” não é suficiente para garantir o sucesso, nem para gerar riqueza imediatamente. Portanto, um recurso chave que poderia acompanhar um possível referendo sobre a propriedade do subsolo deveria considerar o envolvimento do governo em vários níveis para canalizar acordos. Isto é especialmente relevante em um país montanhoso, onde as atividades extrativistas em bacias hidrográficas superiores têm importantes repercussões em outras áreas, o que poderia levar a novos conflitos.

A proposta de um plebiscito constitucional também acarreta riscos. A proliferação das atividades de mineração em um país com um Estado incapaz de controlar tais atividades poderia levar a um desastre ainda maior. Portanto, este cenário exigiria uma revisão detalhada dos limites e do escopo dos acordos de exploração entre partes privadas, para que o Estado continuasse a desempenhar o papel principal. Para tanto, as capacidades dos atores centrais como a OEFA, o Ministério do Meio ambiente e o Ministério de Energia e Minas devem ser reforçadas e devem exercer um controle rigoroso.

Em síntese, o presidente eleito, Pedro Castillo, deve repensar quem é dono do subsolo em um país de pessoas pobres. Talvez o que poderia parar o conflito e mudar a história das comunidades camponesas e indígenas do Peru seja rever a cessão do direito ao subsolo.

José de la Torre Ugarte

Trabalhou como consultor em várias instituições governamentais, agências de comunicação e organizações sem fins lucrativos. Possui um MBA pela Pacífico Business School (Lima) e um MS em Marketing pela EAE Business School (Madri).

Diego Salazar-Morales

é PhD em política e administração pública pelo King’s College London e é candidato a doutor em ciência política na Hertie School (Berlim). Mestre em administração e gestão pela London School of Economics. Fundador e associado honorário do Instituto de Estudos Políticos Andinos (IEPA).

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